Marina Manda Lembranças O ntem foi leiloada a marca "Jornal do Brasil" (escrevo na quarta). Não sei quem a arrematou, par...
Marina Manda Lembranças
Quando cheguei, levada por meu amigo Yllen Kerr, repórter do Caderno B, a sede do jornal ainda era na Rio Branco. O prédio era antigo, eu era absolutamente jovem e não sabia nada de jornalismo, mas no meu quarto, junto à minha prancheta de estudante de arte, a parede estava cheia de recortes do JB. Vasos de palmeirinhas na entrada, vidros jateados separando as seções, linóleo verde escuro protegendo o tampo das mesas e, sobre o linóleo, as grandes máquinas de escrever Olivetti. Durante 15 dias antes de me apresentar ao trabalho, eu havia aprendido datilografia de forma emergencial e, embora as encarasse com apreensão, foi amor à primeira vista - a Olivetti 44 que tive depois dorme até hoje, útil só para o afeto, no alto de um armário.
Trabalhar no Jornal do Brasil era estar no centro de tudo. Das notícias, da cultura e da estética. Que feio era então O Globo. Confuso, sobrecarregado. Anos mais tarde, quando eu trabalhava na agência de publicidade que foi encarregada de fazer um novo estudo gráfico para ele, encontramos 6 famílias tipográficas diferentes só na primeira página. O JB era limpo, moderníssimo, reinventado a cada dia.
Cheguei e, como uma ave perdida na pequena redação do Caderno B, fui me empoleirar numa banqueta ao lado do paginador. Não sabia nada de jornalismo, mas era íntima de régua e esquadros e junto a eles sentia -me protegida. Era um tempo anterior à era digital e usava-se guilhotina para cortar as fotos no tamanho desejado. Lembro de dois momentos que teriam feito inveja à revolução francesa. Um: o paginador, Fernando Horácio da Mata, hesita sobre o que fazer com uma foto de matéria preparativa para o carnaval, adentra Reinaldo Jardim - um dos elementos chaves da modernização do jornal, que naquele momento chefiava a Rádio JB - avança até a mesa de paginação, debruça-se, pega a foto, mete na guilhotina e a corta pelo meio, bem na cintura das personagens, pega a fatia de baixo e põe ao pé da página, pega a fatia superior e a põe ao alto, o texto vai no meio. Resultado sensacional. Dois: foto de perfil de Elizabeth Taylor, hesitação de Fernando, a foto vai para a guilhotina, é cortada exatamente onde termina o olho, e a tira estreitissíma é diagramada de modo a ocupar de cima a baixo toda a lateral da página. Assim trabalhávamos na Rio Branco. Depois chegou a ditadura, e a censura apagou nossa alegria mas não nosso empenho.
Quando fomos para o prédio novo na Avenida Brasil 500, acreditamos estar indo para a modernidade, inaugurando um tempo melhor. Cada sala era de uma cor, antes mesmo de vê-la soubemos que a nossa, a do Caderno B, seria chartreuse. Não tínhamos como saber que a nossa modernidade maior seria sempre a da Rio Branco, quando um jornal de pequenos anúncios foi transformado no Jornal verdadeiramente do Brasil.
Antecedendo de pouco o leilão da marca, Belisa Ribeiro lançou seu livro "Jornal do Brasil história e memória". No lançamento estávamos todos os do tempo glorioso. Os ainda vivos, mais visíveis, e os fantasmas que circulavam nas conversas ou entre nós, recompondo aquele conjunto que havia sido unido e que havia brilhado intensamente.