Marina Manda Lembranças N a FILBO deste ano houve duas culminâncias. FILBO é a feira internacional do livro de Bogotá, de onde acabo...

Marina Manda Lembranças
Cheguei quando Svetlana Alexiévich, nome principal dos convidados estrangeiros, já havia falado. Todos se referiram com grande entusiasmo à sua apresentação. Disseram que essa mulher da Bielo-Russía, prêmio Nobel que não é literata mas jornalista investigativa, que não escreve romances mas faz uma espécie de colagem de entrevistas desenhando grandes fatos históricos através dos depoimentos de quem os viveu, fala com visível emoção. Mostravam o braço no gesto clássico de quem se arrepiou. Ela havia cativando seu auditório. Poderemos conferir quando vier à Flip este ano.
Também cheguei tarde para o outro ponto alto da Feira. Multidões haviam feito filas intermináveis nos guichês e lotado os amplos espaços externos para o lançamento do livro "Chupa el perro" ( chupa o cão) , de German Garmendia. Jovens fãs choravam histéricas, pais lutavam para comprar o livro atendendo as súplicas dos filhos, houve empurra-empurra. A situação ficou tão tensa que, pela primeira vez na história da Feira, fecharam-se os guichês de venda de ingressos.
E quem é esse autor tão disputado, de quem nós nunca ouvimos falar? Um jovem youtuber chileno, capaz de entregar ao seu editor milhões de seguidores.
A expressão chilena "chupa el perro" tem duplo significado. Quer dizer sexo oral aplicado a um homem, mas também pode ser usada com sentido de "dane-se". Um amigo de German, gordote e vulgar, explica na internet o que o titular quer dizer com a expressão. Para ser mais claro, ou mais grosseiramente óbvio, segura um filhote de cão e, língua de fora ou boca escancarada, vai demonstrando as múltiplas possibilidades.
Fui também em busca dos vídeos de German, tentando entender a paixão dos adolescentes. Não entendi, mas pode ser porque não sou adolescente.
É tudo vertiginosamente rápido. O rapaz pode até ser considerado bonito. Frases curtas. Situações que se resolvem no ato. Por exemplo: como se fossem duas personagens, ele mesmo, de camiseta listada pergunta, "você é homo?", e ele mesmo, agora de camiseta lisa, hesita na resposta fazendo-se de constrangido, diz que tentou evitar mas teve que assumir, sim, é homo. Pausa brevíssima, e acrescenta: homo sapiens. Não tive desejo de ver mais.
A questão levantada na Feira não era sequer a da qualidade dessas perfomances. E sim a propriedade de, uma vez transferidas para o formato livro, serem lançadas numa feira que se pretende de literatura.
Fenômenos parecidos têm acontecido em nossas bienais. Basta uma personagem mediática qualquer, um cozinheiro ou um treinador de cachorros ou um apresentador esportivo, escrever algo que se assemelhe a um livro, para que seu lançamento eclipse a apresentação do livro de um autor sério e respeitável. Muitos autores de literatura têm evitado participar de bienais para evitar esse vexame.
Comprei um livro de Svetlana, "La guerra no tiene rostro de mujer"( não achei referência a qualquer edição em português) sobre a presença das mulheres russas no front da Segunda Guerra Mundial.
O livro "Chupa el perro"não tive desejo de comprar.