Marina Manda Lembranças E screvo com adiantamento, é provável que parte do que eu disser fique desatualizado. Algumas coisas, porém, ...

Marina Manda Lembranças
Pensemos juntos na jovem de 16 anos estuprada por mais de 30. Pensemos nas 47000 mulheres - ponho todos os zeros para que se visualize bem a quantia- estupradas no Brasil em 2014, uma a cada 11 minutos. E nas 12 que serão estupradas hoje, no Rio, enquanto você me lê. Perdão, as quantias são inexatas, correspondem apenas a 35% dos crimes sexuais cometidos, pois só esses são notificados. Escrevi “mulheres” e novamente peço perdão, também é inexato, já que de cada 10 mulheres atendidas no SUS por violência sexual, sete ( repito, sete) são crianças e adolescentes. Este é o tipo de agressão mais comum entre as meninas de até 11 anos.
E lá vamos nós mulheres para as ruas, mais uma vez, segurando cartazes, exigindo justiça, reafirmando que nosso corpo nos pertence. Movido pelo clamor público, o poder público se movimenta, afirma que o crime não passará em branco. E talvez não passe. Desta vez, quanto avançaremos?
Desde a década de 70 estamos indo para as ruas com os mesmos dizeres nos cartazes, em situações que continuam se repetindo. Obtivemos avanços inegáveis e importantes, na legislação, no atendimento. Mas os estupros não diminuíram, temos até a impressão de que, surfando a onda generalizada de violência, aumentaram ( podem ter aumentado as denúncias).
A pergunta é: por que, ainda hoje, tão poucos homens vão para as ruas conosco protestar? O estupro cometido por um deles não os ofende? E quando cometido por 30 e noticiado no mundo inteiro como uma barbárie, não diz respeito a todos os homens do país ? Não turva a sua reputação? Ou a reputação de um homem só se turva quando outro homem estupra uma mulher que aquele considera sua?
Havia dois milhões de pessoas, domingo, na passeada paulista do Orgulho LGBT. E tão poucos nas manifestações em protesto contra o estupro coletivo. Devemos deduzir que há mais defensores dos direitos LGBT do que dos direitos das mulheres?
Se os homens não contassem com a admiração de outros homens, não cometeriam estupros coletivos. O estupro coletivo não tem a ver com desejo pela mulher, é um ato de exibição entre homens e para homens, é uma disputa de potência e de violência, que tem menos a ver com sexo do que com poder.
Por isso, o crime dos 30 foi postado na internet, para que fosse visto não como um crime mas como um feito glorioso, uma bravata. Por isso, um dos dois suspeitos levados à delegacia sorria tão amplamente e se vangloriava com gestos.
Se os homens se revoltassem, não apenas os da lei que o fazem por profissão, mas os homens da comunidade onde o crime aconteceu, e com eles os da cidade e os do país, se fossem para as ruas segurando cartazes com seus próprios dizeres, com dizeres de homens em nossa defesa, os estupradores potenciais saberiam que não contam com seu apoio, muito menos com a sua admiração. Nós mulheres saberíamos que podemos contar com a defesa de um homem se outro nos atacar. E o mundo saberia que este não é um país de selvagens.
Há mais de um século denunciamos o machismo. Quantos homens nos ouvem? Por que, então, os que nos ouvem e concordam conosco não vêm para a rua? Quero crer que são muitos, mas se continuarem calados de nada servirão.
As mulheres brasileiras precisam saber se podem contar com eles, ou se, em silêncio se posicionam ao lado dos estupradores.