Marina Manda Lembranças C omo se fossemos um casal japonês, subimos a serra no meio da semana para honrar a floração das cerejeiras...
Marina Manda Lembranças
Certa vez, viajando na Provence, costeamos uma grande plantação de pereiras em flor. Se eu disser que menos de dois metros acima do campo pairava, a perder de vista, uma espuma quase compacta de pétalas brancas, será um lugar comum. Mas essa a visão me invadiu de pura euforia, e precisei saltar do carro, entrar na plantação, estar entre aquelas flores, como se seu desabrochar pudesse penetrar na minha pele.
As cerejeiras da casa de montanha são diferentes. Altas, bem altas, de copas esgalhadas, flores cor de rosa. E não dão frutos. Minto, não dão frutos para mim, mas dão para os pássaros e para elas mesmas, minúsculas cerejas que adiante enchem de mudas o solo ao redor da planta-mãe.
São cerejeiras nissei ou talvez sansei, primeira ou segunda geração de mudas vindas diretamente da terra do sol nascente. Trazidas por uma delegação japonesa - provavelmente atraída por possibilidades comerciais - , as mudas originais foram oferecidas ao então prefeito de Friburgo, que mais tarde nos deu mudas descendentes.
Em outro país, a idéia teria ocorrido ao prefeito de plantar cerejeiras em toda a cidade para, alguns anos depois, promover um grande evento turístico na época da floração. Friburgo não seria mais a "cidade da roupa íntima", seria a "cidade das cerejeiras". Um salto qualitativo inquestionável. Mas não estamos em outro país. O prefeito em exercício terá pensado que pouco adiantava plantar centenas de mudas, porque o próximo prefeito trataria de cortá-las para apagar a memória do antecessor. Ou apenas, ao longo do tempo, se permitiria que pragas e relâmpagos e ventanias atacassem as cerejeiras, dizimando-as aos poucos até o desaparecimento.
Foi assim em Petrópolis. Eu a conheci como "cidade das hortênsias", e era bela, com os seus canais todos bordejados daquele azul quase violeta, e os jardins das casas, e os canteiros das praças. Subi de carro com meus pais pela então nova estrada Petrópolis-Teresópolis, e ao longo de todo o percurso havia canteiros com hortênsias. Eu também era uma estrada nova com muito chão pela frente, mas não imaginei que, pela frente, veria desaparecer progressivamente as hortênsias de Petrópolis, abandonadas pelas autoridades ou arrancadas pelos vândalos. Recentemente, voltei a trafegar pela Petrópolis-Teresópolis. Só o concreto armado resistiu, as flores, que dependem de amor e ideologia, desapareceram por completo.
As minhas cerejeiras, felizmente, se multiplicam. Mais de uma dúzia no meu terreno, já começam a colorir terrenos vizinhos, de onde, levadas pela generosidade ou pelo bico dos pássaros, provavelmente migrarão.
Nenhuma folha nos galhos, a copa tornou-se um enorme buquê de flores claras com escuro miolo. É chegar, e deitar debaixo da mais majestosa. Acima, tudo é recorte contra o azul. Besouros, beija flores, abelhas, e mínimas criaturas aladas esvoejam, procuram, se fartam, vagueiam entre flor e flor, entre ar e flor, entre ar e ar. Estirados sobre a grama, aberto mais que os olhos bate nosso coração.