Marina Manda Lembrança H avia cinco avestruzes à beira da rodovia. Talvez fossem mais. Estavam confinados em um terreno que eu dir...
Marina Manda Lembrança
Nunca soube qual a razão da sua presença. Se estavam ali para serem vendidos, se eram as matrizes para a comercialização de filhotes. Se seriam comidos ou transformados em bolsas elegantes. Se teriam as plumas arrancadas para os desfiles do sambódromo.
Eu passava de carro voltando da viagem de fim de semana, e os via ali, plantados sobre suas longas patas como seres alienígenas, estranhos à vegetação que os circundava, estranhos ao clima, estranhos a tudo.
Os carros os caminhões as motos passavam em velocidade arrastando consigo um ruído de túnel ou de perpétuo trovão. Eles ali, de olhos abertos na semi escuridão do seu recanto, olhando a rodovia, presos àquele lugar, àquele ruído, àquele desconhecimento.
De onde haviam vindo aqueles avestruzes?, eu me perguntava condoída. E o que pensariam, na forma de pensar dos avestruzes que certamente existe embora eu a desconheça? Eu os olhava e não via animais, via criaturas prisioneiras, escravas, sequestradas, privadas do destino que teriam tido em sua terra de origem, privadas de convívio com os semelhantes, os de sua mesma tribo ou bando. A culpa por ser humana como aqueles que os maltratavam me apertava a garganta. De nada haviam lhe adiantado a audição aguçada e a visão possante contra esse predador mais ardiloso que os demais. E, pior, a audição agora lhes infligia um sofrimento a mais.
Nunca os vi de cabeça enfiada no chão, embora todas as vezes pensasse que seria uma esplêndida forma de negação da realidade tão dura. Nem poderia. Parece que isso nunca acontece, é pura lenda, criada a partir das primeiras descrições quando, por meterem a cabeça entre areia e pedras à procura de coisas comestíveis, foram mal interpretados. De fato, se ao primeiro sinal de perigo afundassem a cabeça no chão, seria improvável a sobrevivência.
Mais de uma vez me perguntei se seriam todos machos ou misturados, se a reprodução seria possível naquele espaço devassado e nu, naquela estreita terra de ninguém. Nunca vi ali qualquer coisa que se assemelhasse a um ninho - e imagino seja grande um ninho de avestruz, para conter até dezenas daqueles ovos imensos. Inúteis de todo haviam de manter-se as pequenas asas que só servem para a dança da sedução, quando os machos se exibem numa pantomima das ancestrais possibilidades de vôo. Muitos animais não se reproduzem em cativeiro, quanto mais com destino tão incerto.
Depois, um dia passei e não estavam mais lá. Fosse o que fosse que os aguardava, havia acontecido. Nunca mais voltaram.
Mudei de rodovia, durante um tempo utilizei outra menos movimentada. E acabei voltando para a primeira. Foi assim que vi as llamas.
São duas, quero crer que se trate de um casal. E me parecem contentes. Não estão confinadas, mas soltas em um gramado grande onde vejo, mais além, uma piscina. Não estão ali para serem mortas ou comidas, mas como atração. Suponho, portanto, que sejam bem tratadas. O pelo escovado e limpo confirma minha suposição.
Pergunto-me, porém, com alguma angústia, como atravessarão o verão ardente daquela baixada, elas que vieram do constante frio andino, e que para se protegerem foram dotadas por mãe natureza com aquele casaco térmico.