Marina Manda Lembranças P ara falar de expectativas, curiosidade e repetição, vou falar de um filme de que não gostei, "A moça d...
Marina Manda Lembranças
A primeira armadinha nos chega no material de divulgação. Dito "uma adaptação moderna da clássica história de Chapeuzinho Vermelho" o filme passa tão ao largo do conto mais popular do mundo, que dele só nos entrega a capa vermelha. Nem é de menina, com seu capuz inocente, mas de mulher, e longa, arrastando na neve sua insinuação de sangue, menstruo e sensualidade.
Somos também informados de que a "adaptação moderna" se passa na Idade Média. Mas resulta difícil aceitar qualquer idade histórica para aquela neve de isopor — que os pés não marcam nem sujam — , aquelas árvores de tronco espinhento como cactos, aquele povoado visivelmente cenográfico, e a quase igreja que ostenta um demônio pintado na porta.
Quem dirige a mixórdia é a mesma Catherine Hardwicke que dirigiu o primeiro longa da série Crepúsculo. Exatamente como naquela série onde o sol se põe, aqui também, a mocinha está dividida entre dois jovens pretendentes. E aqui também um lobisomem ronda o pedaço.
Um lobo de verdade, como aquele que se alimentava de avós, só acontece no começo do filme. Caçado e decapitado depois que os aldeões encontram o primeiro cadáver, é porém um animal inocente que se escondia no fundo da gruta tentando escapar da populaça. Fim da presença do lobo.
Dali para a frente, quem assume o papel é o lobisomem.
Um lobisomem que pode estar oculto em qualquer dos pretendentes, que pode ser a outrora cândida avozinha — de olhos tão iguais aos da fera — ou qualquer aldeão, porque só manifesta sua fome de carne humana em tempos de Lua Vermelha. Mais sangue se derrama sobre a neve.
A distância do conto ao qual tenta roubar o sucesso aumenta a cada frame.
Crianças pequenas gostam de repetição. Querem ouvir infinitas vezes a mesma história contada exatamente da mesma maneira, com os mesmos detalhes, e reclamam se o narrador introduz modificações.
Têm suas razões. Na primeira infância o repertório de emoções reconhecidas ainda é limitado. Ao pedir e tornar a pedir o mesmo conto, a criança está querendo ir ao encontro das emoções que já conhece, despertadas anteriormente por aquela história. Como um viciado, está em busca do prazer, e a repetição é a sua garantia. Ao mesmo tempo, repetindo emoções que já conhece, a criança se sente mais segura do que tendo que enfrentar sentimentos ainda desconhecidos.
Catherine Hardwicke foi escolhida justamente para fazer uma réplica, levemente maquilada, de Crepúsculo. Para repetir, com a mesma fórmula, um sucesso. Leonardo DiCaprio, produtor, não é um ingênuo, não arriscaria seu dinheiro num projeto duvidoso. O precioso conto da Chapeuzinho Vermelho entrou só como uma isca a mais, ou como um disfarce justificativo.
Adultos deveriam estar mais interessados no novo do que no requentado. Entretanto, os cinemas se encheram de comedores de pipocas que só queriam mais uma porção do mesmo.
Falta um vampiro, mas Gary Oldman está lá — armado de unhas de prata — para nos lembrar dele. E ao final, como era de se esperar, o pretendente favorito da mocinha se afasta heroicamente para não contaminá-la, enquanto uma sequência de imagens nos diz que cederão os dois à força do amor, tornando-se um doce casal de lobisomens.
Onde foi que já vimos isso?