Marina Manda Lembranças T ão lindo e elegante, quando cheguei! Nem era conhecido como Parque Lage, mas como "a Chácara", ou...

Marina Manda Lembranças
Agora, sob o título "Depois da Olipíada, Parque abandonado", leio da degradação, do abandono, das infiltrações, da falta de luz, dos banheiros entupidos. E as fotos do desastre me partem o coração.
Há uma inverdade no título, o Parque estava abandonado muito antes da Olimpíada, e está em semi abandono desde que foi tombado por Carlos Lacerda. Há poucos meses, uma amiga me mandou uma foto parecida a um quadro abstrato, fundo claro rachado e manchas de tinta, explicando que não se tratava de uma obra de arte e sim de uma soleira do Parque Lage. Acrescentou: "não é para te entristecer". Me entristeceu.
Em 1948, quando entrei na mansão pela primeira vez, vi vasos de samambaias diante de cada coluna do pátio, quatro sapos de bronze nos cantos da piscina, quatro jarrões nos cantos do pátio e jasmineiros subindo até o terraço. Havia vasos de gerânios em flor. E os mármores luziam encerados.
A piscina não era, como agora, vulgarmente pintada de claro, nem a água era clorada - Esther Williams não estava sendo esperada naquela casa. A piscina era de pedra e a água não precisava ser clorada porque era fresca e limpa, vinda de uma das três nascentes do parque. Quando o limo começava a depositar-se no fundo, esvaziava-se a piscina, meu irmão Arduino e eu entrávamos junto com os empregados e, armados de vassoura, esfregávamos fundo e paredes enquanto nova água jorrava da boca dos quatro sapos. Era uma farra higiênica e alegre.
Lá fora havia um jardim e uma mata. Não eram a mesma coisa, nem poderiam, como hoje, ser confundidos. No jardim havia gramados e canteiros, e nos canteiros havia flores. Do lado da janela da minha tia eram só rosas. Na frente da mansão as bouganvilles transbordavam coloridas por cima do muro de pedra. E margaridas marcavam em amarelo as beiras do laguinho. Quando os muitos arbustos de gardênias se cobriam de flores, o perfume alcançava quem passasse de bonde pela rua Jardim Botânico. Sim, ainda havia bondes.
Mais tarde, quando eu já não morava lá e o parque - só o parque, não a casa- era administrado pelo Jardim Botânico, o diretor Leonam de Azeredo Pena pai do meu querido amigo, jornalista Carlos Leonam, me pediu que fosse lá com ele. Juntos, percorremos o jardim, eu dizendo como havia sido no tempo da família, "aqui pelo de urso, ali uma fileira compacta de íris, pequenas orquídeas vermelhas subindo pelas palmeiras, e grupos de azaléias nos gramados." ele anotando tudo, com o propósito de recompor a antiga beleza. Não teve tempo, antes disso saiu da direção do Jardim Botânico.
Um jardim não é só um conjunto de folhas. É uma idéia, um projeto, uma filosofia. Nada disso existe mais. Ao uso dos cariocas só se oferecem folhas.
Uma casa não é só um conjunto de cômodos. O que faz uma casa é o modo de vivê-la. Henrique Lage construiu a mansão como um gesto de amor para sua esposa, a contralto Gabriella Besanzoni. E aqueles ambientes acolheram as vozes líricas mais famosas do mundo, as arcadas ecoaram música. Henrique pode ter acreditado que a vocação musical da casa viesse a ser respeitada no futuro. Não conhecia o Brasil que tanto amava. Nenhuma música mais se abriga entre os mármores partidos e as paredes sujas de pintura, nenhuma voz canta debaixo dos arcos roídos pelas infiltrações. Tudo é depredação e descaso. E através dos vidros lascados só se vêm folhas.