Marina Manda Lembranças O s anais da China atribuem a invenção da seda a Yuen-fi, mulher do imperador Huang-ti, que reinou 2.690 anos...

Marina Manda Lembranças
Volto à seda. Na primavera do Império do Meio, quando as amoreiras já haviam recuperado suas folhas, os ovos reservados desde o ano anterior eram submetidos a um banho de água fria, e postos em bandejas arejadas. Em poucos dias as larvas já se movimentavam e atacavam famintas as folhas de amoreira. Sofreriam ainda quatro transformações antes de começarem o trabalho de fiação.
Quem nunca brincou na infância com um casulo de bicho da seda não sabe o encantamento que tanta delicadeza provoca. Várias vezes tentei puxar o fio finíssimo, quase dourado, que se enovela ao redor da morada da crisálida. Tentei com alfinetes, agulhas, a pinça de sobrancelhas da minha mãe. Nunca obtive o menor resultado, nem poderia. O fio só se desprende através de um mergulho em água fervendo, depois de morta a crisálida com um banho de água salgada. Tenho um único consolo em relação às minhas tentativas de obter seda, as crisálidas que a haviam produzido já estavam mortas.
Sempre gostei de seda mais do que de qualquer outro tecido. Tenho cortes de seda que comprei - sobretudo em viagens - e que, por reverência, nunca usei. Avançar com a tesoura na seda estendida sobre a mesa é sempre uma ousadia e um desrespeito. Acabo comprando tecidos mais correntes e fazendo com eles minha roupa. Os cortes de seda dormem na escuridão de um baú.
As larvas haveriam de gostar desse silêncio escuro . Henrique Carlos nos diz que da tranquilidade e da igualdade da temperatura depende a qualidade da seda fiada. O bicho da seda é inseto tão delicado quanto aquilo que produz, necessita de bons tratos, silêncio e uma atmosfera pura.
Muitos anos atrás em uma viagem a Curitiba, ganhei de Margarita Sansone, mulher de Rafael Greca então prefeito e agora novamente candidato, um belíssimo lenço de seda. E por causa do lenço fiquei sabendo que Greca havia trazido um grupo de chineses, creio que oito, especialistas em seda, para reavivar com seus conhecimentos a produção local. Não sei em que deu a iniciativa, mas vale lembrar, para o caso dele ser novamente eleito.
Nem todas as crisálidas eram assassinadas na antiga China. A seda não depende apenas do fio, exige continuidade. Terminados os quatro a cinco dias de construção do casulo, uma parte era separada e destinada às benesses de que gozam os reprodutores valiosos. A elas cabiam quartos fechados e condições ideais para seu pleno desenvolvimento, até se transformarem em borboletas. Depois, esperava-se, em observação. E quando as asas se faziam brilhantes, denunciando a fecundação, eram postas em caixinhas, como ninhos, para que ali depositassem seus preciosos ovos. O que acontecia depois com as poedeiras, não está dito, mas a descendência recomeçaria o ciclo no ano seguinte.
Nem todos os bichos da seda são delicados. Diz o livro que os da província de Chan-tung comem outro tipo de amoreira, são criados soltos ao ar livre, fabricam seus casulos e se reproduzem "dando apenas o trabalho da colheita". Não sei porque, acho que se dariam bem no Brasil.