Marina Manda Lembranças X angai é puro Flash Gordon no planeta Mongo. Uma arquitetura estrelar, uma cidade que acontece em três níve...
Marina Manda Lembranças
Os viadutos de Xangai se entrecruzam, se enovelam, se superpõem, por vezes altíssimos. Contei um emaranhado de cinco, ou mais. Não aviltam a cidade, como os nossos. Pelo contrário. São impecavelmente pintados de claro por baixo, muitos têm trepadeiras plantadas nos pilares de sustentação, subindo até o alto numa cobertura vegetal. A maioria é ladeada por jardineiras contínuas constituindo uma sebe verde que acompanha as beiradas. E debaixo deles ninguém habita, nenhuma favela se estabelece, a miséria urbana está ausente.
Estou voltando dessa cidade fantástica. Fui participar da Feira Internacional do Livro para Crianças de Xangai, a convite do Centro de Leitura Quindim, que promovia o Festival Internacional de Literatura Infantil Brasileira e o 1º Seminário Internacional de Literatura Brasileira para Crianças e Jovens — Imagens e Palavras Sem fronteiras. Viajei com Graça Lima, Mariana Massarani, Marcelo Pimentel, sob a batuta de Volnei Canônica. Roger Mello já estava lá nos esperando, jurado que foi do Prêmio Chen Bochui.
Como no título do filme de Marco Bellocchio, "A China está próxima". O filme é de 67, mas a profecia parece agora mais atual que nunca. Sente-se quase palpável a pressão de crescimento e de modernidade. A sensação é de que ali habita o século XXI, tornando obsoletos todos os outros países. O antiquíssimo Império do Meio avança para assumir lugar de comando.
Xangai sabe bem como casar passado e presente. Os luxuosos prédios neo clássicos das legações estrangeiras que no século XIX se instalaram na cidade estão perfeitamente conservados e mais luxuosos do que foram. As ruas laterais, que conservam a aparência européia, abrigam bares e restaurantes. E ao longo do rio um passeio elevado é ponto de observação turística dos modernos edifícios, ícones do novo tempo.
A arquitetura em Xangai é deliciosamente delirante. O fio de prumo foi abolido. Nada é apenas reto ou apenas curvo, as linhas são inventadas a cada empreendimento, espaços se abrem no corpo dos prédios, fachadas se lançam temerárias para os lados, os edifícios são moldados como esculturas. A cidade cresce e se recria.
Ninguém de roupa velha na rua. Sapatos impecáveis. Olhando nas calçadas todos parecem estar saindo de loja naquele momento. E fashion. As mulheres, todas elas, de pernas pretas, seja meia, legging, skinny ou bota. Ousadia no design, perfeição no acabamento, qualidade. Ninguém com jeito casual.
E as crianças. As crianças da China são um capítulo a parte. Pudesse, teria trazido umas duas para mim. Vimos muitas, na Feira, na escola que visitamos, nas ruas. A política do Filho Único levou a uma geração de tesouros familiares. E os tesouros desfilam pela mão dos pais ou sob o olhar das professoras, bem comportadíssimos, elegantes como manequins infantis, as meninas sempre de cabelos presos em rabichos, e lindos, todos eles lindos, como lindos devem ser os filhos que se amam acima de tudo.
Finda a Feira fomos a Beijing. Mas isto fica para a próxima semana.