Marina Manda Lembranças N em tudo o que querem nos vender é para ser aceito. Seja visto Trump. Fortalecida por esse princípio, ando m...
Marina Manda Lembranças
Palmeiras, por exemplo, em lugar de árvores. Palmeira não é árvore! Palmeira não faz sombra nem oferece proteção, pelo contrário, debaixo dela podemos sempre temer que uma rama (é rama que se chama, ou é folha? ) nos caia na cabeça. No entanto, vivemos a era das palmeiras. As praças cariocas que obras do metrô despiram de suas árvores centenárias, foram reflorestadas — se o termo se aplica- com palmeiras. Não sei se são mais baratas do que mudas de mangueiras ou de ficus. Sei que podem ser plantadas já adultas, iludindo o público, enquanto árvores levam anos e anos para atingir porte de majestade. E sei também que, quando o verão chegar com toda a sua fúria, as criancinhas que antes brincavam nas praças sombreadas terão que levar sua própria barraca, se não quiserem ser torradas vivas pelo bafo do sol.
Não só às praças se estende o império das palmeiras. Na portaria do meu prédio plantaram duas, onde antes havia azaléias com sua pontual floração. E em qualquer cobertura, qualquer varanda, lá estão elas com suas cabeleiras, constrangidas pela falta de chão, pelo excesso de vento, pela falta de companhia. Algumas, coitadas, são até imperiais, mas sem império.
Outra coisa de que cansei é gastronomia. Não se pode abrir um jornal, ligar uma televisão, ver uma programação, sem que uma nova onda gastronômica ou um chef nos caiam em cima. As ondas gastronômicas motivam eventos grandiosos e comparecem pontuais nos bufês. O chef vem com seu currículo, como um sábio, e mais a descrição ou a foto, ou os dois, dos seus pratos. A comida morreu. É hora de elocubrações gastronômicas, filosofia das panelas. Mais arte sai das cozinhas do que dos ateliês. O requinte minimalista da apresentação rivaliza com obras de design. Comer tornou-se um programa estrelar.
Só para alguns, porém. Em casa ou no dia a dia, apesar de uma salada eventual, o prato do brasileiro não mudou de cara nem de conteúdo. O arroz e o feijão são iguais ao que sempre foram, deitadinhos ao lado do bife, do frango ou, em tempos de escassez como o que atravessamos, da carne moída.
Há tempos já, estou blindada contra a moda impositiva, aquilo que as revistas chamam must. Este verão não terei, de modo algum, sapato oxford de plataforma tratorizada, e certamente não fará parte do meu guarda-roupa nenhum calçado de prata cintilante, como aquele que a elegante Michelle Obama usou para receber Melania Trump - talvez como forma sutil de agressão. Tampouco usarei batom roxo ou azul.
Não sendo uma independente absoluta, também não pertenço a bando ou tribo. Não tenho impulso de ter o que todo mundo tem, pelo contrário, se todo mundo tem, já não quero. Tampouco almejo a bolsa que custa quatorze vezes mais que o seu valor real.
Sou, isso sim, muito atenta à moda no que ela tem de sugestão. A silhueta, os volumes, a importância transferida de uma parte do corpo a outra conduzindo o olhar, as lentas mudanças da moda que finge mudar a cada estação, e a beleza dos tecidos com seu infindáveis efeitos sobre o corpo.
Esta semana irei a Shanghai. Estrangeira, estarei aberta a tudo, querendo só apreender. Livre, por alguns dias, de palmeiras, eventos gastronômicos e moda menor.