Marina Manda Lembranças P rometi falar de Beijing, o que me permite passar batida sobre a atual situação do país! Nem sabíamos que ir...

Marina Manda Lembranças
Nem sabíamos que iríamos. A informação nos foi dada por telefone quando ainda estávamos no Galeão, esperando a hora do embarque para Xangai. E, finda a Feira do Livro Infantil, lá fomos nós.
Duas cidades muito diferentes. Em Xangai, manso outono, folhas de ginko nas calçadas. Em Beijing, inverno, 8º negativos, neve caindo no primeiro dia. Xangai é uma cidade leve, que se exibe, uma top model sempre na passarela, um conjunto que só fala de si mesmo. Beijing é uma cidade a serviço do poder, emblemática, que carrega a responsabilidade do país e fala, a um só tempo, do passado glorioso e das pretensões do futuro.
Eu já a conhecia. E não a conhecia. Havia estado lá há mais de 20 anos, justamente na semana em que se inaugurava o primeiro edifício moderno, no momento em que a China estendia a musculatura para dar o seu pulo de gato. Havia enxames de bicicletas nas ruas, produto nenhum nas lojas, tristeza cinzenta nos mastodontes arquitetônicos do regime. Só a Cidade Proibida brilhava com suas telhas amarelas, suas colunas, sua riqueza imperial.
Agora as avenidas continuam largas como o Yang–Tsé, porém ladeadas de canteiros de flores — rosas amarelas nos olhavam cobertas de neve — , as bicicletas todas foram substituídas por motos e carros, prédios de arquitetura delirante acenam por trás das imponentes construções governamentais, e as lojas de shoppings luxuosos transbordam produtos das marcas mais caras do planeta. A Cidade Proibida continua brilhando com suas exclusivas telhas de louça amarela, mas uma multidão de turistas serpenteia por seus jardins e ruelas milenares, e uma loja de produtos e cópias os acolhe como em qualquer grande museu ocidental.
Ao chegar, em fim de tarde, havíamos sido avisados por nossas gentilíssimas recepcionistas, que na manhã seguinte nos levariam a um shopping barato para comprar agasalhos dignos daquele frio – escritores e ilustradores não costumam ter posses para um ataque emergencial às grandes marcas. E assim foi feito. Apesar disso, ao atravessar mais tarde a Praça da Paz Celestial, nada do que havíamos comprado parecia reter o vento gelado que vinha diretamente da Mongólia ou da Sibéria ou do Pólo. Como todos os turistas ao nosso redor, compramos de uma ambulante, por preço vil, aqueles sábios chapéus de falso pelo, falsas orelhas, e uma estrela vermelha — agora quase falsa — pespegada na frente.
O convite havia sido feito pela CCPPG, a maior editora da China. Tivemos um encontro profissional na sede da editora, com o staff editorial e o pessoal de marketing. Muito objetivo tudo, e eles visivelmente interessados, examinando nossos livros, analisando possibilidades. Eu descobriria pouco depois que "interesse" é o combustível que move os chineses atualmente. Estão interessados em tudo o que não conhecem, em tudo o que é novo e atual. Depois de tanto fechamento, voltam-se para o mundo dispostos a queimar etapas, e absorver.
Isso ficou mais evidente quando descemos à livraria da editora. Um andar inteiro, só para a parte infantil. Estavam ali livros do mundo inteiro, desde os clássicos, como A Ilha do Tesouro ou o Pequeno Príncipe, até os modernos mais recentes. Tudo editado em chinês, bem ilustrado, de capa dura. E mais os autores chineses, como a série "Dingding-Dangdang", de Cao Wenxuan, vencedor do último prêmio Andersen.
As crianças daquele país, que vimos no jardim de infância, já estão recebendo as vozes do mundo inteiro.