Marina Manda Lembranças E m tempos de Lava-Jato, que alívio poder lavar a alma em arte! Chegando de Nova Iorque, a amiga querida me troux...
Marina Manda Lembranças
Chamo vida aquilo que os curadores preferiram chamar " auto construção de sua persona pública ": um empenho para que em cada gesto e em cada foto ficasse evidente que não havia separação entre seu cotidiano e sua arte. Como escreveu Frances O'Brien, sua amiga e também pintora, em 1927: "Ela nunca deixou sua vida em desordem enquanto sentava para pintar um quadro que deveria ser limpo, simples, e integrado. Para ela arte era vida; vida era pintar".
A vida é sempre mais do que uma única coisa, embora o todo possa estar interligado. E a vida de O'Keeffe, como mostra a exposição, era também composta por suas roupas, suas casas, suas amizades e as fotos tantas para as quais pousou.
Sempre séria, nas fotos. Na maioria, feitas e comandadas milimetricamente por seu marido Alfred Stieglitz, fotógrafo brilhante e galerista. E depois da morte dele, comandadas por ela mesma, que havia aprendido a função.
Stieglitz gostava de fotografar-lhe as mãos, por vezes só elas, eloquentes, por vezes dando ênfase a um detalhe da roupa, um botão, um caimento, o contraste entre preto e branco com que amava se vestir.
Roupas nunca foram um acaso para esta mulher artista. Parte da boa educação da família de classe média à qual pertencia, aprendeu a costurar ainda menina, como aprendem a costurar as crianças, fazendo roupas de boneca. Depois, nunca deixou a agulha. Uma das belas fotos de Stieglitz é de suas mãos com dedal.
A exposição do Brooklyn Museum revela a delicadeza e o cuidado perfeccionista dos trajes que, durante a vida toda, costurou para si. Gostava de linho e de seda, de crepe e de lã. Gostava do corte em viés. Há blusas etéreas e nervuradas como os lírios gigantes que pintou para Elizabeth Arden, há pequenos laços prendendo golas ou punhos, ninhos de abelha criando o franzido, ajours arejando peitilhos, e um quase babado de nervuras no linho que arremata, como concha, um decote.
Não costumava jogar fora as roupas que fazia - e como renunciar a tanta dedicação empenhada?- o que permite que estejam hoje na exposição. E ao descobrir um modelo que lhe agradava - podia até ter sido comprado - o repetia constantemente. Há, na exposição, vários vestidos retos, praticamente iguais, sem enfeite algum, que ela gostava de simplesmente amarrar na cintura.
A simplicidade era o seu requinte.
Vestia-se muito de preto, ou preferia posar vestida de preto. Ao preto opunha o branco; uma gola que ilumina o rosto, um lenço na cabeça debaixo de um chapéu severo, blusas de laço debaixo de tailleur ou capote, e a beirada imaculada surgindo sob a gola do quimono.
Os quimonos foram uma paixão na sua vida, ditada por sua admiração pela arte japonesa. Teve muitos e os imitou em suas próprias costuras. Vinham ao encontro de seu gosto pela simplicidade e pelo rigor estético.
Buscava o preciosismo do detalhe. Usou muito um cinto de couro entrelaçado em prata que aparece em várias fotos, e transferiu de roupa em roupa um botão grande de prata . Não usava maquilagem. Não usava jóias. Menos uma: o broche de ouro batido, grande e ousado, feito para ela pelo amigo Alexander Calder.