Marina Manda Lembranças M ais que uma vitória maravilhosa, o episódio José Mayer foi uma conquista. Eu teria usado uma camiseta daquela...
Marina Manda Lembranças
Debruço-me sobre o acontecido, porque vários elementos contribuíram para dar-lhe um desfecho diferente do costumeiro.
Astros assediando subalternas não são nenhuma novidade. Nas grandes emissoras, nos grandes teatros, nos estúdios de cinema, os machos alfa da direção, da produção e do palco sempre se consideraram no direito de avançar sobre as jovens dos escalões inferiores. Faziam sua escolha no farto material disponível, e atacavam. Era norma universal. Que o Brasil adotou, contente de fazê-la sua.
Mas uma ruptura acaba de acontecer.
Fatos históricos não dependem somente das suas personagens. Dependem, em grande parte, das circunstâncias. E as circunstâncias que circundam esse fato são novas e especiais.
Vivemos tempos de Lava Jato. No país que tenta se passar a limpo, as grandes empresas fazem questão de mostrar seu bom comportamento, seu respeito aos funcionários, sua aderência às questões sociais. Onde ontem bastaria uma reprimenda quase amigável, hoje faz-se necessário vir a público com ações claras e eloquentes. Quanto maior a empresa, mais está sendo instada a demonstrar sua lisura.
Vivemos tempos de redes sociais. As notícias e as indignações não viajam mais através do boca a boca discreto e de curto alcance. Ontem, o malfeito ficaria limitado aos cochichos de corredor, abafado nos cantos da emissora, e calado pelo medo das consequências. Até fazer-se poeira e sumir. Hoje, tudo foi alardeado através de fotos e hashtags, os não funcionários da emissora não precisaram temer a demissão, a voz de cada um foi multiplicada infinitas vezes, a indignação ganhou volume nacional.
Vivemos tempos de pedidos de perdão. O arrependimento individual tornou-se insuficiente. Há que fazê-lo público. Aquilo que sempre foi tradição no Japão, tornou-se obrigação universal. Líderes de governo vêm frente às câmaras ou frente ao povo pedir desculpas, François Fillon candidato francês às próximas eleições, pediu desculpas publicamente por ter empregado familiares, no Brasil a Odebrecht fez anúncios na imprensa pedindo perdão pelos ilícitos cometidos. Para ser perdoado, ou não, é preciso pedir.
Vivemos tempos de retomada feminista. Várias atrizes globais são ativistas de movimentos sociais. Autoras de novela têm comprometimento contra o assedio sexual. As mulheres sabem que sua maior força está na união. E a união delas em favor da figurinista assediada ajudou a definir a solução,
Os tempos guiam o desenvolver dos fatos.
No passado, José Mayer não teria feito a carta aberta em que pede desculpas. Tantos não fizeram nada semelhante, embora tendo cometido idêntico crime. Mayer, aliás, não demonstrava arrependimento algum na sua primeira declaração, quando disse que a moça confundiu o interprete com a personagem. Hoje, entretanto, podemos crer que a carta tenha sido exigência da emissora, e que da sua elaboração tenha participado um advogado.
Os tempos nos conduzem. Mas somos nós, com nossos gestos e nosso querer, que fabricamos os tempos.