Marina Manda Lembranças S e olho pela janela que vai até o chão, vejo montanhas e nuvens, nuvens e montanhas. Abaixo, enfileirados como fo...

Marina Manda Lembranças
Vim para a Feira de livros, a Filbo, que este ano comemora sua 30º edição, e em que Brasil e Portugal organizaram juntos uma Celebração da Língua Portuguesa.
O país convidado deste ano é a França. Tentei ontem assistir a um evento no pavilhão francês, não tive êxito . A multidão era tanta que nem com credencial conseguiria entrar. Tive que me contentar com uma crepe, na creperie montada ao lado do bistrô francesíssimo na praça de alimentação. Acrescentei um Bourgogne em taça de plástico.
Numa feira grande como esta, não se consegue fazer nem uma parte do que se pretendia. As mesas e conferências interessantes se sobrepõem e se seguem . Nem é possível dar conta dos 2000 títulos oferecidos nos estandes.
Estão aqui dois Prêmios Nobel. Um deles é Coetzee, de quem por pura coincidência comprei um livro antes de viajar, e o outro é Naiapaul. A respeito de Naiapul não ouvi nenhum comentário. Mas ninguém gostou de Coetzee. Talvez seja demasiado frio para nosso calor sul americano. Disseram que aliava respostas curtas e cortantes a uma absoluta ausência de sorrisos, que tinha postura de superioridade. Duas vezes, no café da manhã esteve sentado em mesa ao lado da minha – os autores estão todos hospedados no mesmo hotel. Pareceu-me simpático, alto e magro estilo cowboy, um Clint Eastwood mais moço. Entre uma torrada e um gole da café sorriu mais de uma vez , mas talvez estivesse em companhia amiga. Atendeu algumas solicitações de foto- poucas- e assinou vários livros. Não deve ser fácil a vida de um Nobel.
A Filbo se espalha também pela cidade. Há atividades nas livrarias- Coetzee leu um dos seus “Tres Contos” numa delas e também disso não gostaram, não temos o hábito de ouvir leituras a seco, sem comentários, sem adereços ou participação do público. Há atividades nos colégios, Naiapaul autografou em um deles. Há atividades nas bibliotecas – fui a uma, em bairro popular, e estava cheia de jovens e crianças. E também na Universidade , em teatros, ao ar livre.
Mas me atrevo a dizer que quem mais lucra com essas grandes Feiras somos nós, os que, aparentemente, as fazemos. O público encontra , por vezes com emoção , os autores de quem gosta e com quem até então dialogava apenas através dos livros; ouve , em meio à algaravia da multidão, algo que o toca; recebe algum pensamento inteligente ou alguma ideia útil. E ao fim de alguns dias, quando a feira acaba, volta `a sua rotina.
Nós vamos tecendo e ampliando uma rede de relações, de amizades, de cumplicidades, que se espalha pelo mundo e fala em diferentes línguas. Uma das minhas atividades aqui foi uma mesa com um alemão, Boris Pfeiffer, que falou em inglês, e um francês, Christian Jolibois, que falou em sua própria língua. Mais tarde, no escritório da nossa editora comum, a Panamericana, Boris e eu conversamos longamente em italiano, porque a mulher dele é italiana, e ele se sente mais à vontade com italiano do que com inglês. À noite, o jantar em que essa mesma editora reuniu seus autores e ilustradores parecia um encontro da ONU.
Estou fechando a mala, à noite volto para casa. Levo muitos sorrisos, promessas de encontros futuros, laços fraternos fortalecidos, o projeto editorial para dois novos livros, um exemplar do meu livro que acaba de ser publicado. E levo uma maletinha cheia de livros , os melhores, pinçados com determinação em meio à oferta estonteante. Quando chegar, certamente lerei com outros olhos o livro de Coeztzee que ficou sobre a mesa no meu escritório.