Marina Manda Lembranças P reso a um cinto de segurança e diante da imprensa mundial, Neymar chutou a bola do alto da escultura "Cad...
Marina Manda Lembranças
Não costumo gostar da febre de gigantismo que assola a arte contemporânea. Nem todo objeto do cotidiano se transforma em arte apenas porque visualizado pelo autor com lente de aumento. Chama a atenção, sem dúvida — mais difícil é atrair o olhar para uma tela de 33x22 centímetros, como aquela pintada em 1654 por Carel Fabritius retratando em tamanho natural um pintassilgo.
A "Cadeira quebrada", com seus 12 metros de altura, entretanto, é extremamente eloquente. Criada em 1997 pelo artista suíço Daniel Berset e modelada em madeira por Luís Gen`eve, estava destinada a curta vida. Com sua perna destroçada, seria apenas um apelo para a convenção que debatia a proibição mundial de minas terrestres, e ficaria plantada diante dos prédios das Nações Unidas só durante três meses. Mas quando a tiraram, ficou um vazio tão calado que voltaram a instalá-la. E lá está, fazem 20 anos.
Se gosto tanto de "Cadeira quebrada" o mesmo não posso dizer de outra obra gigante que vi recentemente, "Calamita cosmica" (imã cósmico), do italiano Gino de Dominicis. Creio estar sozinha na minha opinião, porque a obra exibida pela primeira vez em Grenoble em 1990, não para desde então de girar o mundo, e participa agora de uma grande exposição em Florença. O imã cósmico é um esqueleto humano, branco como osso polido, em perfeita escala e longo 28 metros, que se apresenta deitado ao ar livre. Além do tamanho, numa única coisa difere da realidade: um longo nariz pontudo, quase bico de ave emerge do crânio, semelhante ao das máscaras que os antigos médicos venezianos usavam para se proteger em meio às epidemias.
Não gosto dos 28 metros da obra porque acho que um esqueleto é mais impactante em sua medida original ou perto dela. Podemos então visualizar nele nosso próprio esqueleto, como se diante de um espelho pós mortem, e ver refletida a longa fila de esqueletos familiares que acabou conduzindo a nosso próprio suporte ósseo. Da importância didática dessa visualização sabiam bem os capuchinhos, que em tantas de suas igrejas fizeram nichos de caveiras, lustres de tíbias, enfeites de fêmur e exibiram esqueletos inteiros vestidos com o hábito marrom da ordem.
E — se entendi corretamente — também não gosto desse conceito de imã que dá nome à obra. Humanos não atraem o cosmo, me parece uma antiga postura antropocêntrica. Se tanto, são atraídos por ele.
Nesses dias, uma nova obra gigante disse alto a que veio. É o belíssimo inflável "Law of the Journey"criado pelo arquiteto/artista/ativista chinês Ai Weiwei. De material sintético preto — tomara que seja neoprene, indicando as roupas dos mergulhadores que lutam para salvar vidas nos constantes naufrágios dessas embarcações — mede 70 metros. É a réplica de um daqueles barcões infláveis que diariamente cruzam o Mediterrâneo com sua carga humana, e sentadas como em um barco estão as figuras idênticas de 258 migrantes. Na Galeria Nacional de Praga, onde foi inaugurada, a escultura está suspensa, navegando no ar. Mas em janeiro de 2018 sairá de lá, para navegar na consciência do mundo.