Marina Manda Lembranças Q uando escrevo são 90 as mortes causadas pelo terremoto que abalou o sul do México. E 200 os feridos. Mas es...
Marina Manda Lembranças
As placas tectônicas se ajeitam constantemente e a superfície sofre. Não faz muito, vimos o resgate de três meninos, irmãos que haviam sido soterrados em um tremor na Itália. O mais velho puxou o menor para debaixo da mesa quando a casa começou a tremer, e salvou-lhe a vida. O menorzinho foi protegido pela estrutura do berço.
Em países de terremotos as crianças aprendem desde cedo a se defender. No Japão as escolas fazem simulação de terremoto e os pais mostram aos filhos os lugares mais seguros. Nada está solto nas estantes, nem estão soltas as estantes; objetos, quadros, móveis estão presos ou chumbados na parede. Que nada caia do alto. E a primeira coisa que se ensina a qualquer criancinha é correr ou gatinhar para debaixo da mesa ao menor abalo.
O Japão treme muito. Quando lá estive em trabalho jornalístico, a casa toda foi sacudida duas vezes logo na primeira noite. Mas estava tão cansada da viagem interminável que preferi nem tomar conhecimento. No dia seguinte uma amiga brasileira me telefonou: "Teve Muito medo?". Não tive, talvez graças a uma experiência anterior.
Era ainda menina quando vivi um terremoto na Itália. Estávamos em uma cidade à beira do mar, e quando o hotel em que morávamos começou a tremer todos saímos e fomos para a praça. Que já estava cheia de outros moradores. A praça é lugar seguro — desde que não se fique perto da estátua que costuma enfeitar o centro. Não era um terremoto dos mais fortes. Assim mesmo ficamos na praça até tarde. No dia seguinte havia poeira sobre os móveis e acreditei, porque me disseram, ser do vulcão.
Quando militar, durante a Segunda Guerra, meu tio serviu na Sicília, em Messina, a cidade que havia sido destruída por feroz terremoto em 1908, perdendo a metade da sua população. E o Etna continuava ativo. O medo maior do meu tio não era morrer, mas ficar preso debaixo dos escombros sem água e sem comida sofrendo hora a hora até o fim. Para se proteger, ou talvez apenas para amansar o medo, ia dormir sempre com uma carga letal de soníferos no bolso do pijama, que engoliria se necessário para abreviar o suplicio. Nunca precisou deles, enquanto esteve em Messina os únicos tremores da terra foram aqueles provocados pelas explosões e os bombardeios. Mas guardou os comprimidos, mais como lembrança do que por qualquer outra coisa. E qualquer outra coisa acabou acontecendo: em meio a uma tremenda depressão tomou os comprimidos todos tentando o suicídio. Quase o conseguiu, senão pelos comprimidos, pela data de validade há tantos e tantos anos vencida.
Tendo crescido em um país vulcânico constantemente abalado, sempre achei meigo o orgulho brasileiro por não termos terremotos.
Não temos terremotos, é verdade. E isso é bom. Mas talvez nosso tipo de abalo seja ainda mais feroz. De janeiro a julho deste ano, 631 pessoas foram vítimas de balas perdidas no estado do Rio. Contra terremotos podemos ensinar às crianças métodos, ainda que modestos, de proteção. Mas não há como se proteger de tiros de fuzil que varam paredes. E, se os terremotos são obras da natureza que independem da nossa vontade, as balas perdidas são sobras de tiroteios que deveriam ser impedidos.