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Marina Manda Lembranças
O ponto mais dramático dessa questão é que os fatos relatados não surpreendem ninguém. Como disse Léa Seydoux, uma das atrizes que denunciaram Weinstein:"Encontro homens como Weinstein o tempo todo". Emma Thompson confirma: "Weinstein? É a parte visível do iceberg". E Tippi Hedren, a loura estrela de “ Os Pássaros” de Hitchcock, escreve no Twittet: "Tive que encarar assedio sexual durante toda a vida. Hitchcock não foi o primeiro[...] Chegou um ponto em que não aguentei mais, e fui embora. [...] Tiveram que passar 50 anos! Afinal, as mulheres se defendem”.
A norma, em Hollywood ou fora dela, sempre foi a de campo livre para os predadores. E se agora as mulheres estão se defendendo é porque durante bem mais que 50 anos outras mulheres lutaram para que isso fosse possível. Antes, as que se atreviam à acusa eram reduzidas a cinzas.
Não conheço nenhuma mulher que não tenha sido assediada. Minha primeira vez foi aos 11 anos, em um cinema no centro — na década de 50 cinemas no centro eram elegantes — quando um homem sentou ao meu lado para me mostrar a coisa que eu nem sabia o que era, e botar a mão na minha perna. Pisei a mão dele com meu outro pé, mas nada disse, nem ao meu irmão, nem ao motorista da família que estava conosco, nem em casa. Já profissional e adulta, recebi a proposta de um colega respeitável para discutir um projeto de trabalho em casa de Búzios, com esposa e crianças; só chegando lá evidenciou-se que a intenção era um programa a três. E ao longo dos anos tive que presenciar homens se masturbando no calçadão da praia, homens abrindo a capa no estacionamento, homens botando a língua de fora em imitação de boquete e, quantas vezes!, ouvir as coisas todas que fariam comigo se eu deixasse. Minhas duas filhas poderiam relatar seu próprio, extenso, repertório. Minhas amigas todas teriam muito para contar. A moça com quem conversei no fim de semana começou a ser estuprada pelo padrasto aos 5 anos, até hoje tem pesadelos. A filha da motorista do taxi que tomei outro dia foi sexualmente agredida pelo pai. Nenhuma de nós escapa. Mas agora estamos falando.
Durante 6 anos, chegando ao Festival de Cannes com esposa e filhas, Weinstein, contratou o mesmo motorista, Mickael Chemloul. Para a família,"O Porco", seu apelido nos bastidores, reservava sempre a mesma suíte a 2.800 euros a diária. E reservava também uma garçonni`ere no hotel Majestic. Mickael era encarregado de abastecê-la de carne fresca.
"Vi muitas delas saindo do hotel aos prantos, levando os sapatos na mão. E nada disse. Eu não sabia o que acontecia na intimidade. Só sabia que ele era detestável com todo mundo, gritava com seus funcionários por nada [...] Certa vez, me mandou recuperar uma moça que tinha deixado numa villa. Ela estava aos prantos, havia compreendido que não tinha mais nada a esperar, me pediu o bilhete de volta. Nem isso ele tinha providenciado". Mickael não sabe por que não falou quando teria sido a hora. Mas está escrevendo o que viu e o de que participou. E diz que isso a ajudou a livrar-se dos antidepressivos.