Marina Manda Lembranças E sta semana natalina me deu de presente um documentário muito bem feito, a vida de Jean Paul Belmondo. Uma biog...
Marina Manda Lembranças
Quando tomei conhecimento de Belmondo pela primeira vez, em Acossado, não estava interessada nele, nem lhe prestei muita atenção. Estávamos, todos os que fizemos fila diante da bilheteria do cinema ( certamente o Paissandú, Sergio Augusto me corrija se estou errada), atraídos pelo Godard, pela fama que precedia a exibição do filme no Rio, pelo imã que exerciam os cahiers de cinema dos quais tanto Godard quanto Truffaut - autor da história do filme - eram críticos.
Saímos medusados pelos diálogos inesperados e poéticos, pela falta de esquadro do roteiro, pelo inusitado do conjunto. Alguns compreenderam a novidade, outros nem tanto, mas todos enchemos a boca para falar da nouvelle vague com plena intimidade. Foi o ano da nouvelle vague, aquele. Quando vi Hiroshima, meu amor, de Resnai, fiquei tão impactada que saí sem falar nada e fiquei muda a noite toda, com medo de que uma única palavra inadequada demolisse a arquitetura erguida em mim pelo filme.
Em Acossado, confesso agora, os cabelos curtíssimos de Jean Seberg chamaram minha atenção mais que a atuação de Belmondo. Mas os críticos repararam mais em Belmondo que nos cabelos, e ele passou a fazer um filme depois do outro.
Era 64, quando fui à Maison de France assistir ao lançamento de O homem do Rio. Já então, como jornalista. O lançamento foi evento concorrido, o Rio ganhava uma imagem internacional tão sedutora quanto a de Belmondo. Não lembro mais da história, lembro da camisa branca do herói muito aberta no peito, e dele voando de teco-teco, andando que nem mosca entre uma e outra janela em fachada de prédio, dando e levando muitos socos.
A mocinha que Belmondo vinha salvar no Rio era Françoise Dorleac, que naquele mesmo ano vimos em Os guarda-chuvas do amor. Três anos mais tarde, porém, ninguém conseguiria salvá-la, nem mesmo a única testemunha do acidente em que morreu carbonizada dentro do seu carro.
Naquele mesmo filme trabalhou Adolfo Celi. Em algum momento da vida, antes de optar pelo jornal, eu havia feito com ele um rápido curso de teatro. Uma das aulas - em que tínhamos que andar debaixo de chuva inexistente- foi em casa de Tônia Carrero, com quem era casado. O cachorro nos olhava pacífico, deitado no chão. Mas em 64, Celi já havia descasado dela e casado com uma ex-cunhada minha ( tive várias), Marília Branco, de quem mais tarde também descasou.
Olho o documentário sobre Jean Paul e fragmentos da vida, a minha, não a dele, entram em foco.
Claude Lelouch dá um depoimento, conta como em 1988, quando Belmondo havia deixado de fazer sucesso de crítica, o convidou para fazer um filme bem diferente do seu repertório costumeiro, Itinéraire dún enfant gâté, e a interpretação lhe rendeu o primeiro César. E eu lembro de quando fui ver no cinema Veneza, desse mesmo diretor, Um homem, uma mulher. O Veneza há muito não existe mais, como não existem mais o Miramar, o Rian, o Metro Copacabana e tantos que vi morrer. Os cinemas, penso, morrem como os artistas.
Há alguns anos, Belmondo esteve perto de morrer. Driblou o AVC como driblava os inimigos nos filmes, embora sem a camisa aberta no peito. E este ano voltou a exibir seu sorriso vitorioso recebendo, aplaudido longamente de pé, o Prêmio César pelo conjunto da carreira.