Marina Manda Lembranças U ma nova moda está acontecendo em Paris. Já já chega aqui. Não mais fazer compras em lojas de rua, não mais pr...
Marina Manda Lembranças
Você entra num prédio elegante, sobe, toca a campainha de um dos apartamentos, a porta se abre. Você não veio trazida pelo desejo de um encontro amoroso, mas por um querer que pode ser até mais fundo: comprar. Comprar de maneira específica.
A loja em que você entra foi concebida para parecer um apartamento, um apartamento de boa índole e de bom gosto, com tantas coisas desejáveis espalhadas por toda parte, e onde você pode entrar em qualquer cômodo com intimidade maior do que na casa de um amigo.
Cito declaração a respeito de uma dessas lojas: ”Os cômodos vão evoluir ao longo do dia. De manhã você vai ser recebido por um cheiro de café, a cama do quarto estará um tanto desfeita, um pijama casualmente pousado sobre o lençol, brinquedos pelo chão. A ideia é que seja convivial, que as pessoas se sintam em casa, que possam tocar os objetos, e comprá-los se desejarem.”
Uma ideia meiga, mas fake. O convívio é cenográfico, aquele apartamento não é usado para a vida, os brinquedos não são de nenhuma criança, nem o pijama foi usado. Verdadeiros, só o cheiro de café e o propósito de vender.
Tento ler o que a nova tendência nos diz.
Por que preferiríamos garimpar este tipo de loja fechada onde para entrar é preciso tocar a campainha, em vez de buscar as lojas abertas e as tentadoras vitrinas dos shoppings?
Para termos a sensação de entrar em casa alheia.
O alheio se tornou progressivamente sedutor.
É o sucesso dos realitys, pessoas entregues a culturas estranhas, casais trocando de cônjuge, famílias seguidas por câmeras no seu dia a dia, luta pela sobrevivência em condições adversas, os piores sentimentos aflorando em busca da supremacia em casas fechadas. E os índices de audiência disparando.
É o sucesso do Face e do Insta, das selfies, dos blogs, dos vídeos, em que acreditamos estar participando da vida dos outros, embora recebendo apenas migalhas cuidadosamente escolhidas.
As novas lojas são um passo à frente neste mesmo caminho. Batemos a uma porta como bateríamos em qualquer das tantas daquele mesmo prédio ou mesmo do prédio ao lado, sabendo, porém, que a porta se abrirá. E entramos, não sem uma certa expectativa. Haverá cheiro de café?
Para nosso maior conforto, os “donos” daquela casa fictícia não estão. Recebidos por funcionários/serviçais solícitos, podemos fuçar tudo à vontade, levantar objetos, arrastar cadeiras, abrir armários, e até pegar o pijama limpíssimo que parece ter sido esquecido sobre a cama por um usuário premido pela hora de pegar no batente.
Na vida real, quando entramos em casa alheia, nosso olhar curioso se pousa sobre os objetos, mas não as nossas mãos. Nem é de bom tom perguntar quanto custou o sofá cujo estofamento alisamos discretamente, ou pedir para comprar o pijama que o dono da casa usou na noite anterior.
Cravadas como uma cunha a mais na invasão do privado, as lojas-apartamento estão destinadas ao sucesso. Falsas, é bem verdade. Mas o que importa, se a sensação que transmitem é verdadeira, e se prometem alavancar as vendas?