Marina Manda Lembranças L eio um dueto de pergunta e resposta na entrevista da francesa Marie-Pierre Schickel, que veio ao Brasil minist...
Marina Manda Lembranças
Marie-Pierre é estrategista de marketing, branding e business design. Sabe do que está falando. Mas o que ela diz é altamente inquietante.
Estou voltando de Fortaleza onde fui dar a aula inaugural de um curso de criação literária em nível universitário organizado por Socorro Acioly. E lá fiquei sabendo da luta para defender da demolição o Clube Náutico, ponto mais tradicional da cidade, onde boa parte da história do estado foi escrita. O antigo Clube daria lugar a mais um shopping.
Não precisamos de um vestido novo, mas acabamos comprando. Compramos sem necessidade, porque a grife construiu um sonho de que o vestido faz parte, e comprando o vestido acreditamos estar comprando a chave do sonho. Só o vestido é concreto. E o pagamento.
Que pode nos exigir alguma renuncia, ou algum esforço produtivo a mais, ou alguma hora de sono a menos.
E nada nos garante que, chegando ao nosso armário, o vestido traga consigo o sonho que serviu de atração.
Fortaleza não precisa de um shopping a mais, passei por vários na cidade, todos eles enormes. Entro em qualquer shopping, de preferência fechado para nos abstrair do mundo exterior e permitir a construção dos tais sonhos, e me pergunto quem compra tanta roupa, e para que. Olho nas ruas e, talvez pela ausência das luzes cúmplices do sonho, não encontro o mesmo panorama do shopping, não vejo aquele cintilar de coisa nova, não ouço o canto das sereias que perpassa as vitrines e os largos corredores de piso sempre banco e cintilante.
Marie-Pierre quer ensinar jovens do setor criativo a construírem sonhos como os da moda, é parte do seu trabalho como mentora de duas pós-graduações em Milão. Mas além do belo balcão de vendas, os sonhos construídos com tanto capricho têm um back stage. E o back stage custa mais caro que o vestido que compramos sem necessidade.
Atrás da história que a roupa nos conta ocultam-se as mãos que a fizeram, a água que foi gasta ou contaminada nas tinturas, o algodão colhido no campo ou a seda e seus bichos. Oculta-se o excesso de produção que acabará no lixo.
As histórias da literatura, as novelas e os contos de fadas, têm vilões e bruxas. Mas as histórias criadas pelo marketing são só beleza e encantamento.
Não bastasse isso, estamos entrando agora em outra modalidade de sedução graças à rapidez das redes sociais. É o "see now, buy now". Você acompanha na sua telinha o desfile que está ocorrendo em Paris, aquela passarela iluminada, aquele ambiente todo cenografado, a própria presença do público que se soma às maquilagens e penteados, o andar decidido e elegante das manequins magérrimas. Tudo foi concebido nos mínimos detalhes para entusiasmar. E em pleno entusiasmo, sem ter que enfrentar a espera que a levaria à loja e que permitiria a reflexão, você efetua na mesma hora a compra pela internet. Bingo! Em algum lugar, uma caixa registradora marca o gol, você acaba de justificar todo o dinheiro gasto na construção do sonho.