Marina Manda Lembranças S emana passada morreu Nelson Pereira dos Santos. Nunca tivemos longas conversas e fazem anos que não nos encont...
Marina Manda Lembranças
Meu irmão Arduino era um jovem especialmente bonito, hoje se diz que foi o mais bonito de Ipanema. E inteligente. Havia deixado sem terminar a Faculdade de Engenharia, era da equipe brasileira de caça submarina, começava a inventar o surf carioca e namorava muito. Seus dias corriam cheios e agradáveis, mas o futuro estava um tanto sem direção.
E aconteceu que um dia, por volta de 1966/67 um colega de praia dissesse que estava indo fazer um teste para um filme, e o chamasse para ir junto. Arduino não tinha nada a perder, foi e se viu escolhido para ser o protagonista. O filme era El Justicero, de Nelson Pereira dos Santos.
Começava aí uma parceria que haveria de se estender por cerca de duas décadas. E que envolveria outro membro da família.
Ano seguinte, Nelson filmava Fome de Amor, em Angra dos Reis, com Arduino, Leila Diniz, Paulo Porto e Irene Stefânia. Dia de folga na filmagem, nada de muito interessante para fazer, tédio no “valhacouto” — apelido dado ao lugar de hospedagem da equipe. Arduino sugere uma ida à fazenda do pai. E garante, Manfredo é um cara legal, sempre alegre e disposto a uma farra, fará pasta para todos, terá qualquer coisa para beber.
A fazenda não é distante, e o que Arduino disse é verdade. Manfredo adora uma farra. Fez pasta, havia bebida de sobra, tenho fotos dele dançando animadamente com Leila Diniz. A noitada foi longa. E no dia seguinte, tomados todos de paixão, Manfredo havia sido incorporado à equipe.
Tinha 65 anos e sua única experiência anterior como ator havia sido na extrema juventude, como extra em algumas das óperas cantadas pela tia Gabriella Besanzoni. Encantou-se imediatamente pela profissão, mais até que Arduino que não se considerava vocacionado. E seguiu a carreira a pleno vapor, fazendo cinema, teatro, e muita televisão. Era ator da Globo quando morreu aos 81 anos.
Depois de Fome de amor, fez com Nelson Azyllo Muito Louco, e o histórico Como Era Gostoso o Meu Francês. Os dois, contracenando com Arduino. No Francês, há até um momento em que a personagem de Arduino mata a golpes de pá a personagem de Manfredo, episódio simbólico de parricídio que muitos invejaram, naquele tempo em que todos fazíamos análise. Na vida real se davam bem, amizade reforçada por tantos sets de filmagem. E nos últimos anos de vida era em casa de Arduino que Manfredo morava.
Com Nelson ainda filmaram juntos Quem é Beta? Mas Manfredo não participou de Memórias do Cárcere em que, depois de tantos filmes juntos, Arduino atuou sozinho.
Ao longo de todos esses anos eu ouvindo falar de Nelson, de seu carisma, das dificuldades, das filmagens e dos atores, do dinheiro sempre curto, e desejando que Nelson me chamasse para uma participação qualquer, só para estarmos os três juntos na mesma ficção, como estávamos na vida.
Agora todos eles se foram, não há mais filmagens nem a fumaça rola no valhacouto, Angra que foi cenário de tantos filmes, tornou-se outra cidade. Mas eu olho a foto daquele encontro alegre na fazenda e levanto a taça, brindando como qualquer um deles faria.