Marina Manda Lembranças O homem parou na calçada para ler o menu do restaurante. Era um homem sólido, cabeça raspada, barba. Um homem,...
Marina Manda Lembranças
A mulher passou atrás dele na mesma calçada. Uma mulher semi jovem, semi bonita, nem magra nem gorda. Uma mulher, enfim.
De dentro do restaurante eu os observava.
Teria bastado um momento, ou um impulso. Teria bastado que ela também estivesse com fome e parasse para ler aquele mesmo menu. Teria bastado que um dos dois fizesse um comentário, e o outro sorrisse ao responder. Teria bastado, talvez, que se vissem.
O restaurante estava cheio. Teria bastado, então, que ela o convidasse para compartilhar uma mesa. Conversariam entre goles, esperando a comida, e é provável que a situação os levasse a gostar da conversa. Ao final, cada um pagaria sua própria conta. Mas já teriam um encontro com possibilidade de prosperar.
Entretanto, nada disso aconteceu. Ela não estava com fome e dirigia-se a outro lugar ou, quem sabe, a outro encontro. E o homem sequer se sentiu atraído pelo menu, e foi procurar sua comida em outra parte.
Um momento parece tão pouco, mas basta para decidir a vida. Um momento a mais, e você não teria perdido aquele avião, aquela viagem em que encontraria aquele galerista importante que se encantaria com a sua pintura. Se no momento em que você saltou do metrô ele não estivesse entrando provocando um esbarrão e derramando no chão o conteúdo da sua bolsa, vocês não teriam casado e você não teria tido seus filhos com ele. Se quando aquele mecânico teve um infarto na sua garagem você não estivesse ao seu lado, certamente ele teria morrido.
Passamos a vida fazendo planos e organizando estruturas, enquanto a vida vive nos passando a perna, desfazendo num piscar de olhos nossas estruturas e substituindo-as por seus próprios planos. Como se vendados, avançamos sobre o fino fio dos momentos acreditando estar no comando.
A casca de banana está lá, na esquina. Mas o bilhete da loteria, a promoção, a vitória também estão na esquina à nossa espera. Chegamos um momento antes, é o tombo. Chegamos um momento depois, é a glória. O problema é que não há previsão possível, não há relógio que indique o aproximar-se dos momentos.
Quando ele chegou depois de um ano de viagem e foi tomar o elevador da redação, a primeira pessoa que encontrou fui eu. Um dos dois — já não lembro qual — sugeriu tomarmos um café. Isso foi há 47 anos. Se eu tivesse ido pela escada ou ele tivesse tomado o café antes de buscar o elevador, não estaríamos juntos até hoje.
Penso no imprevisível da vida e estremeço. A borboleta bate asas lá longe, e as ondas de ar que provoca podem me derrubar. Penso no imprevisível da vida e sorrio. A borboleta bate asas lá longe, e as ondas de ar que provoca podem me ensinar a voar.
Dormir com um olho aberto é sabedoria do gato. Se chover a gente se molha, melhor levar guarda chuva. Se fizer sol a gente torra, melhor levar chapéu.
Quando criança, porque meus planos nunca se realizavam, achei que planejar dava azar e durante muitos anos parei de fazê-lo. Tudo o que tinha que acontecer aconteceu do mesmo modo, enquanto eu perdia o prazer que fantasiar sobre os planos me daria. Mas acabei aprendendo que não é o fato de planejar que dá azar, e sim a pretensão de achar que só porque o desejamos, nossos planos se realizam.