Marina Manda Lembranças E sta semana, Ancelmo Goís publicou a foto de uma jiboia atacando um mico no alto de uma árvore, ou talvez já de...
Marina Manda Lembranças
Nada entendo de predadores além daquilo que leio diariamente na seção política e econômica do jornal. Mas entendo de micos ou, pelo menos, entendo daquele que foi meu e que amei.
Eu devia ter uns 10 ou 11 anos e morava no Parque Lage, então casa da minha tia avó. Lembro perfeitamente do dia em que, andando sozinha naquele parque, encontrei um dos jardineiros. Acocorado, observava um bichinho que acabava de recolher. Pedi para ver. Era um filhote de mico caído do ninho ou das costas da mãe, na tempestade da noite anterior.
Aquele macaquinho mínimo foi demasiado sedutor para a criança europeia que eu era. Pedi para o jardineiro me dar. Disse que não. Pedi para me vender. Certamente teve pena, porque as moedinhas que eu tinha no bolso não davam para coisa alguma. Mas fizemos a troca e o mico passou para a minha mão.
Era macio, quentinho e, certamente por medo, se deixava ficar enquanto, com um dedo, eu lhe acariciava a cabeça.
Em casa, foi um sucesso. Primeira providência, encontrar-lhe um nome, que foi escolhido pelo som baixinho que emitia: Tipy. Segunda, alimentá-lo. Depois disso, dar-lhe amor e protege-lo.
Ninguém lhe pôs coleira ou o prendeu com cinto e corrente. Desde o início esteve solto. Escolheu como dormitório o alto do armário do quarto da minha mãe de onde, assim que ela acordava e o chamava, saltava para a cama de patinhas abertas, como uma asa delta.
Corria pela casa inteira, único cuidado indispensável era fechar as portas da sala de jantar na hora das refeições, sem o que havia o risco dele pular dentro de um prato e agarrar com as mãos qualquer mínima comida. Quando queria sossego ou um esconderijo, homiziava-se na nuca da minha mãe, protegido pelos cabelos dela.
Via o verde lá fora, mas nunca tentou fugir. Poderia tê-lo feito através da buganvilia que subindo do jardim rodeava o terraço. Ou através dos jasmineiros plantados em odres nos quatro cantos do pátio. Nada disso lhe interessava. O que ele queria era a vida familiar.
Cresceu bonito, com os tufos brancos das orelhas e o lábio partido na queda inicial, cuja cicatriz repuxada lhe imprimia uma espécie de sorriso constante.
Então eu fui para o colégio interno. E chegando em casa numa das minhas saídas, soube que um bebê, filho de uma das primas, havia nascido. Meu Tipy já não podia ficar solto.
Penso nele como o vi aquela vez, trancado num viveiro, e minha alma ainda estremece. O alto do armário havia sido trocado por aquela casa de grades, e não havia como refugiar-se atrás dos cabelos da minha mãe.
Tentei defende-lo, argumentar. Foi inútil, o bebê vinha primeiro, e com um macaco solto temia-se pela sua segurança.
Voltei para o colégio. Tínhamos poucas folgas, dependendo do comportamento da sala inteira só saíamos uma vez por mês. Na minha próxima estadia em casa, Tipy não estava. Dissera-me que havia ficado arisco no viveiro, feroz, e teve que ser dado de presente. Até hoje me pergunto o que, de fato, fizeram com ele.
Havia muitas serpentes no Parque Lage. Mas os predadores do meu mico estavam dentro de casa.