Marina Manda Lembranças E m tempos de Copa, tanto quanto os pés dos jogadores chama minha atenção sua devoção capilar. E, uma vez que ...
Marina Manda Lembranças
Podemos entrar pela primeira porta do raciocínio: o penteado como forma de destaque. Afinal, os pobres jovens treinam e trabalham em conjunto, são plurais em campo, e sempre de uniforme. É compreensível que queiram customizar sua aparência — os militares fariam o mesmo se apenas fosse permitido.
Ou vamos na motivação mais simples: um ato de vaidade. Mas se vaidade fosse — esse sentimento que em maior ou menor grau todos abrigamos — os talentosos jovens buscariam apenas o penteado mais favorável a seus traços, e com ele ficariam. Pelo menos, por algum tempo, o suficiente para cansar do penteado, mudar os traços, ou aderir a uma nova moda. Alguns assim o fazem. Mas não Neymar, que surgiu com um novo penteado tipo ovelha louca no treino do dia 16, modificado em arquitetônico topete para o jogo do dia 17, e tosado com as pontas loiras no treino do dia 19. A cada aparição, uma surpresa na cabeça plantando mundo afora a interrogação: o que ele nos oferecerá amanhã?
Falamos em moda, e acabei de saber pelo jornal que o goleiro Alisson é Embaixador do Emporio Armani. Certamente por isso importou até Moscou seu “cabeleireiro de confiança”. Contratos publicitários desse tipo vão aos detalhes e Alisson não se arriscaria a perder cargo tão prestigioso. Mas, a julgar pelos resultados, tampouco Neymar se afasta um momento do seu Fígaro pessoal. Nenhum cabeleireiro de hotel chegaria ao requinte daquele V de vitória na nuca semi raspada — V que, vitória não vindo, foi rapidamente eliminado.
Moda pura poderia ser uma hipótese. Depois de tantas décadas do mesmo penteado básico, variando apenas o comprimento das costeletas e com a limitada intromissão das cabeleiras hippies, os homens partiram para o nude total do couro cabeludo ou uma raspagem lateral semelhante à que se praticou na Idade Média. A moda, porém, não muda a cada dia, ou a cada partida, e não exige tanto dinamismo na aderência.
Pensemos, então, em grife. Jogadores de futebol adoram andar grifados. E alguns fazem questão de, como uma grife, marcar seu visual. Mas a grife é uma constante criada para marcar o desejo dos consumidores, assim como a marca do proprietário é cravada a fogo no couro do gado. Quem não reconhece o duplo C de Chanel? Quem ignora o L sobreposto ao V da Vuitton? Quem olha um sapato de sola vermelha sem identificar Loubutin? Grifar o visual é, portanto, mantê-lo constante, como fazem David Luiz com seus longos cachos e William com sua afro cabeleira ao vento.
Falo do time brasileiro porque nos é mais familiar, mas a Copa tem nos mostrado que a questão penteado tornou-se um must para qualquer jogador — até mesmo devido à internacionalização desses atletas, os padrões comportamentais viajam entre continentes, e fazem ninho em solo pátrio.
Ao que tudo indica, como no século XVIII quando Maria Antonieta aliada a seu famoso cabelereiro Leonard impôs o pouf — em que cabelos falsos e verdadeiros eram arrumados em cachos sobre altas estruturas metálicas — o penteado tornou-se uma demonstração de poder. Que o digam Trump, empenhado em esconder com um topete a sua calvície, e Kim Jong–Um com seus recortes capilares afiados. Que o diga Neymar, mostrando-se poderoso no próximo jogo.