Marina Manda Lembranças E stou lendo três livros ao mesmo tempo. Não é uma novidade. Há muitos anos minha leitura é plural. Um livro d...
Marina Manda Lembranças
Desta vez há uma coincidência. São três livros escritos por mulheres.
Ponho em primeiro lugar Sophia de Mello Breyner (o nome tem também um Andresen que nunca se diz). Comprei semana passada porque ando precisando de poesia e só me serve a boa. Há muitos anos leio Sophia, mas um poema aqui, outro ali, em antologias e revistas literárias. Um livro inteiro como este da Companhia das Letras, com seleção e apresentação de Eucanaã Ferraz nunca tinha tido em mãos.
Nem sempre gosto da poesia dela. Por vezes me vejo esbarrando com um certo rebuscamento formal que me vai a contrapelo, um tom que soa antigo aos meus ouvidos. Mas de repente dou de cara com um verso que é como pedra na vidraça, um estalo, um acerto inescapável, a comoção. Prefiro os poemas pequenos, quatro ou cinco versos, e o uso surpreendente das palavras. Leio um desses e fecho o livro. O que li reverbera, e me basta.
O outro livro que anda me seduzindo é um diário, “O diário da dama Murasaki”. Mais que o diário de uma dama é o diário da autora do primeiro romance da literatura universal e livro mais importante da literatura japonesa, “A história de Genji”, escrito há mais de mil anos.
Murasaki Shikibu foi de fato dama da corte, a serviço da imperatriz Shoshi, e o seu diário desenha a atmosfera velada, cheia de biombos e cortinados, de olhares protegidos atrás dos leques e de corpos femininos ocultos por até quinze quimonos superpostos. É o momento de máximo esplendor da corte de Heian, no começo do século XI.
Quanta poesia naquela corte! As cartas, as canções, as declarações de amor e as desfeitas, tudo era transmitido através de poemas. Nas festas, nas comemorações recitavam-se versos em público, muitas vezes improvisados, sempre com alguma referência à poesia clássica. Erudição era passaporte exigido dos cortesãos.
“Nada melhor foi escrito em nenhuma literatura” disse Marguerite Yourcenar de “A história de Genji”. Não por outra razão Murasaki Shikibu tornou-se dama daquela corte que se movia em ritmo poético.
O terceiro livro que tenho lido conto a conto é o da russa Liudmila Petruchévskaia. O título já nos dá um recado de estranheza: “Era uma vez uma mulher que tentou matar o bebê da vizinha”. Esse “era uma vez” inicial nos remete logo aos contos de fadas. E talvez o sejam, mas ao contrário dos contos de fadas, essas narrativas se situam no presente ou, pelo menos, em um tempo de ferocidade do qual somos contemporâneos.
Há magos e feiticeiros, há mortos que voltam do além para ganharem sepultura, há epidemias semelhantes às da idade média, há metamorfoses, e um nariz protagonista. O tom poderia ser confundido com o dos contos de fadas porque é quase coloquial, mas percebemos um sorriso irônico por trás desse tom, um suave estalar de dentes. A autora se diverte metendo a faca nas personagens, e vendo sangrar o leitor.