Marina Manda Lembranças E m viagem, passo de carro por um pasto. Duas grandes mangueiras são suas únicas habitantes neste fim de tarde. ...
Marina Manda Lembranças
— Essas mangas — disse outro dia ao dono da barraca das mangas Palmer — têm pouco gosto mas muito peso.
Balancei um fruto grande na mão — Se cair na cabeça de um, mata!
— Não cai — respondeu ele. Orgulhoso do seu conhecimento, aproveitou logo para me dar uma aula. — A manga pode até cair do galho, mas não na cabeça. Não tem altura para isso.
E prosseguiu explicando que nas plantações modernas as mangueiras são “adestradas”, a copa não pode passar de dois metros. Passou, entra na poda e volta à medida certa. — É para facilitar a colheita – acrescentou.
Para mim, já era visão de tortura suficiente para uma árvore que, livre, chega a 30 metros. Mas ele disparou o tiro de misericórdia. — Aos dez anos, — disse com pose de proprietário de todas as plantações de Palmer — quando começam a dar menos frutos, são erradicadas, arrancadas, para dar lugar a novas mudas.
A cada dez anos, um genocídio de mangueiras! Mangueiras gentis são, não apenas proibidas de crescer, como assassinadas ainda na infância. E isso, para garantir o duplo fluxo de abastecimento e de lucro. Comeríamos menos mangas se pensássemos no seu sacrifício?
As mangueiras de ontem eram presenças domésticas como os cães ou as galinhas. Mais que sombrear, vestiam o quintal. E em tempos de mangas caídas, atraíam com sua madures as borboletas.
Sempre me pareceu uma crueldade que lhes fizessem cortes no tronco. Era para estimular a produção, me disseram. Mas ainda assim, cortes feitos a faca, feridas. Que cicatrizavam atestando a idade da árvore e comprovando sua ligação com os humanos. A mangueira do quintal era um membro da família, ou melhor, um membro a serviço da família.
Quando minha filha era criança, o psicólogo dela tinha consultório numa antiga casa, com jardim e mangueira. Eu ficava de livro na mão, esperando a hora da consulta passar. Mas, a cada baque denunciando a queda de uma manga, levantava os olhos das paginas, olhava a mangueira parida e me sentia reconfortada.
Agora, as únicas mangueiras que me reconfortam são aquelas que crescem na rua onde moro, plantadas nos mínimos canteiros diante dos prédios, pelos porteiros saudosos das que alegraram sua infância. É tão fácil plantar uma mangueira! Qualquer caroço serve — caroço para nós, para ela é semente. Mas não sei se dão frutos como as que sombreiam as ruas de Belém. As árvores urbanas — nos dizem os botânicos — sofrem de estresse. É muito barulho e pouco chão, faltam semelhantes e falta céu, o asfalto no chão impede a chuva de alcançar as raízes e esquenta, como esquenta o cimento ao redor.
Ainda assim, uma latada de maracujá formou-se sobre a fiação diante do botequim da esquina. E está carregada de maracujás. Não à toa foram plantados ali, os copos com gelo e cachaça já os esperam.