Marina Manda Lembranças F ui a Curitiba para um evento literário, e eram oito horas da manhã quando vieram me buscar no hotel. Lá fora,...
Marina Manda Lembranças
No teatro da PUC estava mais quente, a presença do público gerou calor. E os trabalhos começaram por um concerto. Quanta delicadeza oferecer um concerto como aperitivo para uma manhã de literatura. Breve, só vinte minutos, mas tão precioso que aqueceu nossa alma.
Eu havia chegado um pouco antes dos demais e, sentada no auditório, vi os dois músicos no palco tramando os últimos arranjos. Entre eles, um alaúde.
Quantas vezes o alaúde foi presença nos meus contos! E agora eu o tinha diante dos olhos, quase ao alcance das mãos. Rápida, subi ao palco. Flavio Stein, flautista e homem das letras, já havia se afastado. Falei com Roger Burmester, dono do alaúde, pedi para acariciar o doce ventre de madeira, alisar a música antes mesmo de ouvi-la. Roger me explicou o instrumento. Perguntei quem tinha sido o luthier.
Não era um luthier, e sim uma luthier. Canadense. Roger contou como tinha morado no Canadá para fazer doutoramento em alaúde. E eu me senti miseravelmente ignorante por nunca ter imaginado que houvesse doutoramento em um instrumento da Idade Média.
Depois o público chegou, e foi o concerto. O título era: "Livros para ouvir, Músicas para ler: Música da renascença acompanhada por palavras andantes". Alaúde e flauta dialogando, e brevíssimos textos fazendo a costura. Ou guitarra da Renascença e outra flauta, e as palavras.
Na apresentação, Flavio disse que gostava daquilo que é pequeno. E eu me flagrei pensando que o pequeno não existe. Dizemos pequeno da formiga, mas a formiga é um ser tão completo e complexo quanto o hipopótamo. A formiga tem um tamanho que é o seu. A definição "pequeno" só tem sentido comparativamente, como um auxiliar de medição, mas não corresponde à realidade. Se considerarmos a Terra na totalidade do universo, diremos que é um planeta pequeno. Entretanto, do ponto de vista de seus habitantes e para seus deslocamentos, é enorme.
Foi o que se percebeu quando Flavio leu o primeiro texto. Ele havia escolhido alguns pequenos fragmentos de "O livro dos abraços", de Eduardo Galeano.
Leu primeiro "O mundo" e depois "A função da Arte I". Não havia nada pequeno neles. As palavras expandiam-se na consciência, ocupando grande espaço. Eu poderia transcrevê-los, custariam apenas poucas linhas da crônica. Mas não o faço. Melhor que a curiosidade leve um ou dois leitores a fazer o mesmo que fiz, ir à livraria e comprar o livro.
Na livraria tive uma bela surpresa. O funcionário, já a caminho da estante e sem saber quem eu era, me perguntou todo sorridente se eu o estava comprando por causa da escola. Quando disse que era para mim, acrescentou que o livro estava vendendo muito, com certeza tinha sido adotado. Agradeci à distância aquela escola e o professor responsável pela escolha.
Disse do evento, mas é preciso dar a autoria. Trata-se do Circuito Cultural Dom Miguel, que através de ações plurais visa implementar a leitura e formar agentes para ela. Naquela manhã, depois do concerto, ainda tivemos uma entrevista aberta conduzida por Flavio Stein, o lançamento de um livro de Gloria Kirinus, a formatura de um lote de contadores de histórias, a entrevista que eles me fizeram, a sessão de autógrafos, e tantas fotos, fotos, fotos, fotos, fotos.