Marina Manda Lembranças Q uero falar de um assunto espinhoso, até porque a única maneira de tirar os espinhos de um assunto é falando ...
Marina Manda Lembranças
O assunto está na boca de todos os candidatos às próximas eleições. O assunto é candente. O assunto é o aborto.
Em 2015, 67% dos brasileiros queriam que a lei continuasse como está. Em 2018, a porcentagem caiu para 59%, o que continua representando a maioria da população.
Em compensação se, em 2017, 57% dos brasileiros achavam que a mulher que faz um aborto deve ser processada e ir para a cadeira, em 2018 essa porcentagem aumentou, passando para 58%.
Ambas pesquisas são da Datafolha.
Minha pergunta é: quem são esses "brasileiros"? Gostaria de ver — talvez exista e eu não tenha conhecimento — a mesma pesquisa feita por gênero, quantos homens e quantas mulheres são favoráveis a que. Se, de acordo com a Pesquisa Nacional do Aborto (PNA) realizada em 2016 pela Universidade de Brasília e por Anis Instituto de Bioética, uma em cada cinco mulheres brasileiras fará um aborto até os 40 anos, parece pouco provável que o número de mulheres favoráveis à prisão de mulheres que interrompem a gravidez seja semelhante ao dos homens. O fato de haver um homem, ou uma sombra de homem, ao lado de cada uma das cinco, certamente não altera – como deveria — o desequilíbrio.
E também gostaria de saber o que os 58% dos “brasileiros” que querem ver a mulher que interrompe a gravidez ir para a cadeia, consideram que seja justo castigo para o homem que a engravidou.
Gravidez não é autônoma, só acontece em tandem. Embora encarada como se a mulher se autofecundasse, toda vez que um espermatozoide penetra no óvulo temos um emissor participante. E se um dos dois merece castigo, a norma democrática exige que o outro receba idêntica punição.
O documento enviado ao Supremo Tribunal Federal por um grupo de estudos do Instituto de Advogados de São Paulo, diz que “aborto é assassinato” e esclarece "por meio da interrupção consciente e cruel da vida do outro, (...) do embrião vivo, por parte da própria mãe". Nem uma palavra sobre o pai. Mas um embrião vivo tem pai, ou deveria tê-lo se o homem que colaborou para dar-lhe vida tivesse consciência.
Que peso social tem a falta de consciência?
A mulher que aborta corre todos os riscos, até risco de vida. O homem que, tantas vezes, exige ou lhe pede para abortar, não corre risco algum, nem social nem físico. É no corpo dela que tudo se passa e, por ela ter esse corpo, tem que pagar.
Quando a minha geração era jovem, não havia pílula. Os rapazes só usavam camisinha quando iam ao bordel, para proteção própria. Conosco, nem pensar. O risco de gravidez era enorme. Então nós, as moças, usávamos uma proteção algo nojenta, de borracha, o Diafragma. Que não era cem por cento garantido, nem com a geleia espermicida. A cada mínimo atraso da menstruação desandávamos a tomar pílulas supostamente abortivas, compradas sem necessidade de receita, que pareciam nos encher o ventre de pedras e nos davam tremendo mal-estar. Até o alívio aparecer em sangue. Nossos namorados não usavam nada, não tomavam nada, não tinham medo de nos engravidar. A cota deles limitava-se ao prazer.
Os candidatos estão sendo questionados sobre a diferença salarial entre homens e mulheres. Talvez devêssemos perguntar como encaram essa outra, vergonhosa, diferença.