Marina Manda Lembranças O título do artigo que tenho à minha frente é “IDECISÃO FEMININA”, assim mesmo, em caixa alta. E eu sinto o p...
Marina Manda Lembranças
O título, referente a mais uma pesquisa eleitoral segundo a qual 51% das mulheres ainda não decidiram seu voto para a presidência, está correto. Mas após séculos de preconceitos quanto à nossa capacidade de decisão, sinto um ligeiro cheiro de enxofre.
A primeira coisa que me ocorre é que não são as mulheres que estão sem candidato, é o país. Com a polarização em curso, muitos eleitores se vêm empurrados para um ou outro dos contendores, sem confiar ou gostar de nenhum dos dois. Hoje mesmo um taxista, senhor de idade já dispensado do voto, me dizia do seu desconforto com ambos, da sua indecisão. Mas afirmava a determinação de votar.
Quanto às mulheres, a estatística do Datafolha diz que para cada homem indeciso — como o meu taxista — há duas mulheres na mesma situação. E o artigo acrescentava que é tradição o eleitorado feminino decidir seu voto mais perto do dia da eleição, do que o masculino.
Podemos aventar hipóteses.
Digamos, por exemplo, que das mulheres, mais que dos homens, se exigia o acerto. Acerto naquelas que eram consideradas pequenas coisas e para as quais desde cedo eram treinadas, pois do seu erro ou acerto dependeriam no futuro vidas mais importantes que a dela. Seu erro podia ameaçar a saúde do bebê, prejudicar a família, desperdiçar gêneros preciosos, levar à morte do ancião, à gravidez juvenil da filha. Ela se sentia e era considerada responsável não só por seu próprio bem estar, como pelo do seu núcleo familiar.
Essa obrigatoriedade de acerto não era um sentimento sabiamente plantado pela natureza no DNA feminino, como nos fizeram crer. Era fruto de adestramento, resultado de doutrinação. E desse adestramento, como um sargento, se encarregava a sociedade.
Segundo os cientistas políticos, os dados da pesquisa em questão refletem o pensamento utilitário das mulheres de baixa renda, que ainda não conseguiram descobrir o candidato capaz de, realmente, dar “uma resposta a seus anseios”. Até hoje os anseios das mulheres são raramente individuais, mais comum é que sejam coletivos. E para o coletivo, necessário é sopesar com cuidado.
Podemos pensar também em assertividade. Os homens sempre foram educados para o comando, as mulheres sempre foram, educadas para a obediência. O comando só se exerce com assertividade, firmeza nas ordens, segurança nas afirmações. Cada homem cresce para ser um líder, um general da banda, um condottiero. Mas a obediência se realiza no silêncio, na palavra medida, na revolta calada. E se cada mulher também cresce para ser líder, o será de outro modo, discreta.
Os homens se esforçam para impor as suas ideias. As mulheres se esforçam para buscar as ideias certas.
Evidentemente, nada é tão simétrico. Mas os séculos pesam, e é apoiado nesse arcabouço secular que o hoje se articula.
No começo era o homem indo à caça e precisando achar-se mais poderoso que as feras. E a mulher buscando na natureza o que fosse possível comer, tendo que ser cuidadosa na escolha. O cuidado na procura era nosso, o destemor era deles.
Atualmente, tudo em mutação. Homens e mulheres começam a intercambiar papéis. As mulheres assumem a própria voz, se fazem assertivas, a banda muda de compasso.
Mas resquícios permanecem. E podem ser esses resquícios que levam tantas mulheres a agir com cuidado, sopesando, ouvindo, avaliando, antes de decidir a quem dar seu voto.
Não é indecisão, é prudência.