Marina Manda Lembranças N o feriadão da semana passada, mataram mais quatro em São Paulo. Quatro mulheres, quatro feminicídios. Os ass...
Marina Manda Lembranças
No dia 11, véspera do feriado, recebi um e-mail de Ignácio de Loyola. Somos amigos há muitos anos, cúmplices de palestras e viagens de trabalho, companheiros de literatura e jornalismo, e volta e meia nos mandamos mensagens. A dele dizia assim:
Querida amiga,
Estive na terça feira em Belo Horizonte para conversar no Sempre Um Papo.
Foi tudo agradável, depois Afonso ( Borges) me levou a um jantar com umas vinte mulheres que compõem um Circulo de Leitura. Conversamos por hora e pouco.
Curioso, conheço vários clubes de leitura, todos femininos. Será que nasceram a partir daquele filme sobre Jane Austen?
Até Araraquara tem.
E os homens?
Fiz o jantar naquela noite, e fogão solitário é ótimo lugar para cozinhar pensamentos. No dia seguinte, quando talvez uma das mulheres de São Paulo já estivesse sendo assassinada, escrevi para Ignácio. A resposta dizia assim:
Amigo querido,
A pergunta que você fez sobre clubes de leitura ficou na minha cabeça: por que todos femininos? E os homens?
Podemos aventar três hipóteses:
1- É dado estatístico que as mulheres leem mais romances e poesia do que os homens. Leem mais ficção. E eu acho que clubes de leitura se estruturam a partir de leitura de ficção e suas várias possibilidades de interpretação, suas várias leituras possíveis (nunca fiz parte de clubes desse tipo, mas creio que funciona desse jeito).
O cérebro feminino — mais que o masculino — se dá bem com o abstrato.
2- As mulheres — talvez devido à recusa social — gostam de se reunir. Se reúnem para bordar, para fazer artesanato, para o terço. Não é tempo que sobra, é necessidade de estar num coletivo sem se sentir rebaixada.
3- Os homens dificilmente se reúnem sem que role um clima de superação. Mesmo no bar, ou no lazer há sempre em suspenso algo tipo: meu pau é maior que o seu, a mulher que eu comi é grandiosa, o peixe que eu pesquei é desse tamanho!
Enfim, os homens são educados para o duelo. E duelo não cabe em clubes de leitura, onde cada leitura tem seu valor.
Desculpe a chatice, mas você introduziu o caruncho na minha cabeça!
Cozinhei muito no feriadão, lavei muita louça. E o caruncho ali. Vi na televisão a notícia dos feminicídios. E a cabeça trabalhando, fazendo seus links. Domingo à noite havia chegado a um pensamento que não escrevi para Ignácio, deixei para coletivizar aqui. O pensamento funciona assim:
Se cada homem é educado pela sociedade para ser o mais poderoso entre todos, quando a mulher o deixa ou acaba a relação, quando depois da separação tem um novo namorado, não é ciúme nem amor que move a mão assassina. A recusa da mulher operou a descontrução do eu superior que aquele homem havia levado tantos anos para construir. E isso ele não pode permitir.
Um dado confirma meu pensamento: em São Paulo, 45% dos feminicídios acontecem por separação, e 30% por “ciúme”. Só 17% acontecem por uma discussão.