Marina Manda Lembranças E les saíram de Honduras no dia 13 deste mês e eram 1.800. Outros foram se juntando à caravana ao longo da marc...
Marina Manda Lembranças
Os primeiros foram convocados através de um apelo nas redes sociais. Os demais, celular em punho, foram atraídos pelo fato em si, pela possibilidade que se abria, pelos cartazes e pelas faixas da “Caravana de refugiados 2018” que os vídeos replicavam.
Vivemos a era das grandes migrações. E a informação é o motor que as impulsiona.
Hoje, em qualquer canto do planeta Terra sabe-se como vivem os outros cantos. E esse conhecimento ecoa como um chamado de sereia.
Deus estava sem serviço no Paraiso, havia criado os animais e os havia nomeado, o céu com suas estrelas e o mar com suas criaturas já estavam lá, as árvores faziam sombra, as flores alimentavam as abelhas. Então, talvez até por fastio e já que tudo só dependia da sua vontade, criou o homem ao mesmo tempo em que criava a mulher — a versão ele primeiro ela depois, e o lance da costela são inaceitáveis para mim — e lhes disse que podiam dispor de tudo ao redor, menos dos frutos da árvore do conhecimento. A árvore era o que de melhor havia, e seus frutos tornariam Adão e Eva semelhantes a Deus. O desejo deles se acendeu. A cobra nem teve que se esforçar.
Agora quem diz aos humanos que deveriam aproveitar de tudo o que há de melhor é a comunicação de massa. Diz, mostra através de filmes, vídeos, folhetos turísticos, programas de televisão. E acende o desejo.
As migrações não acontecem de um país catastrófico a um país menos catastrófico. Ninguém emigra da Eritréia — o país onde nasci — para o Congo. Quem sai da Eritréia, atravessa o Congo com grande sacrifício para alcançar a Líbia. Mas também não é para ficar na Líbia, e sim para atravessar o Mediterrâneo rumo à Europa. O fundo do Mediterrâneo vai ficando coalhado de cadáveres, enquanto a migração só faz aumentar.
Os hondurenhos da Caravana, não saíram de Honduras para a Guatemala. Premidos pelas ameaças de facções armadas, pela falta de oportunidades, pela miséria reinante, a Guatemala talvez fosse um alívio. Mas nem mesmo o México era a sua meta. A meta são os Estados Unidos.
Os Estados Unidos e a Europa são os imãs do desejo, são a árvore.
Alardeiam seus produtos, seus encantos, seu modo de vida superior, sua civilidade. Mas é apenas para impulsionar as vendas. Não vá gente miúda querer usufruir de tantas benesses.
Diferentes eram as consentidas migrações do século XIX, das quais o Brasil tanto se beneficiou. Europa e Ásia estavam superpovoadas, as Américas, com o fim da escravidão, precisavam de mão de obra para a indústria nascente e para as lavouras. As migrações interessavam às duas pontas, e em certos casos eram feitas através de acordos recíprocos.
Neste século XXI as tintas ganharam tons de sangue. E quanto mais se divulga a tragédia da migração, mais se contamina o coletivo com o desejo de migrar. Um pensamento vai sendo construído a cada notícia: se alguns conseguem, por que não eu?
Migrar é doloroso, não se migra por querer. Todos passarão por muitos sofrimentos. Mas cada um acredita que estará entre os poucos a provar os frutos da árvore.