Marina Manda Lembranças N atal acabou de rolar, e já estamos quarando roupa branca para o réveillon. As Festas só não se declinam no pl...
Marina Manda Lembranças
O tempo de sucesso dele, seu momento de star – não à toa o tapete das estrelas é vermelho! - acabou. Agora se verá confinado à modéstia, à invisibilidade e aos cuidados com as renas até novembro do ano que vem. Neste mundo de imagens, nada de fotos deve ser o sacrifício maior.
Mas alguém pensou nisso, o fotógrafo norte americano Ed Wheeler, que mantém o Bom Velhinho debaixo dos holofotes o ano inteiro.
Está no Portal U_topia, no vídeo de Natal feito por minha brilhante filha Alessandra Colasanti. Ed Wheeler começou meio de brincadeira, vestindo-se de Papai Noel e fotografando-se para cartões de Natal que mandava aos amigos. Mas aquela roupa vermelha parecia grudar progressivamente no seu corpo. E..... não, ele não foi posar com as crianças nos shoppings. Foi incluir-se entre as personagens icônicas dos museus.
Pode ser roupa completa ou só pijamão vermelho, e lá vai ele, a poder de photoshop, tomar o lugar da Venus de Botticelli em pé na concha, ou o de Deus tocando o dedo de Adão na Cappella Sistina, ou de uma das dançarinas vermelhas – et pour cause – do Matisse, ou do Homem Vitruviano de Da Vinci, ou da Goulue de Toulouse Lautrec. Enfim, Ed percorre a história da arte e nela se insere profissionalmente. Tudo o que produz – e a produção é complexa- está à venda na internet, em galerias de arte e em lojinhas de museus.
Quando eu era criança na Itália fascista, durante a guerra, Papai Noel não era bem-vindo. Considerado uma invenção do inimigo, com grande apelo para os anglo saxões, tinha quase figura de invasor. Quem reinava no Natal e na doação de presentes era a italianíssima Befana.
Mais rigorosa que o velho bonachão, só dava presentes às crianças de bom comportamento. As outras, as que não haviam estudado direito, ou não haviam obedecido aos pais, ou tinham mentido, só ganhavam pedaços de carvão. Era uma forma de adestrar os pequenos e de estabelecer um clima de suspense: presentes não eram nunca favas contadas. Mas constituía também um recurso para os pais mais pobres; se o presente fosse modesto, era o que o filho havia merecido graças à sua atuação durante o ano.
A Befana é uma velha em tudo parecida com uma bruxa, que voa numa vassoura e que, como o rival vermelho, desce com seu saco pela chaminé. Lembro dos anos em que morei num hotel familiar dotado de grande cozinha e enorme fogo a lenha com chaminé. Dia 25, as crianças – e com elas minha amiga, a neta dos donos- eram barradas pela porta fechada da cozinha. Ouviam-se ruídos, bater de panelas criado pelos adultos que se esmeravam na encenação. E logo, abria-se a porta e entrávamos. Hesitantes a princípio, esperando vê-la, embora sabendo que Ela só vinha na noite escura, nos precipitávamos à chaminé. Oh desilusão! Só se via carvão empilhado!
Atrás dele, os adultos pescavam então os presentes escondidos.
Quando a guerra acabou e acabou com ela o racionamento de açúcar, quando o mercado de consumo voltou a funcionar, as vitrines das confeitarias de encheram de carvão docemente comestível.
Não sei em quem as crianças italianas acreditam hoje. Mas é possível que vejam no celular as inserções artísticas de Ed Wheeler.