Marina Manda lembranças N os primeiros 11 dias deste ano que apenas começa, 33 mulheres foram assassinadas por seus maridos, companheir...
Marina Manda lembranças
Dizem os especialistas que o feminicídio tem suas raízes nas estruturas do domínio patriarcal. Raízes fundas, que nem as medidas punitivas nem os avanços sociais conseguem alcançar.
Mas só o conceito de domínio patriarcal não parece suficiente para explicar este tipo de crime. Pois não são homens quaisquer que matam, num exercício de dominação. São homens que em algum momento amaram, acreditaram amar, ou desejaram intensamente a mesma mulher que matam.
E um idêntico quadro se repete em todos os casos: a mulher quer desfazer o laço que a prende àquele homem, ou já o desfez.
Levada por uma pesquisa, debrucei-me sobre as pinturas das cavernas de Lascaux, na França. Vi bisões, cavalos, gamos, aves e felinos. E vi homens. Arqueiros disparando flechas contra cervos, caçadores atirando lanças contra bisões, um deles sendo pisoteado por um touro. Entre eles, vi dois homens de sexo em riste.
Supõe-se que Lascaux fosse uma espécie de santuário. Não vi representada nenhuma mulher. O santuário havia de ser destinado à proteção na caça. As mulheres, ocupadas com seus filhos, não caçavam. E parir não era objeto de proteção especial, embora as mulheres o enfrentassem desarmadas. Uma mulher morta no parto podia ser facilmente trocada por outra, mas um bom caçador era insubstituível. Sobretudo se de sexo em riste.
Isso foi há 17 mil anos. Desde então, os homens medem seu pau olhando de viés nos banheiros, contam proezas sexuais que nunca aconteceram, se gabam, e continuam acreditando que basta um membro enorme para conduzir qualquer mulher ao paraíso.
Todo homem é, ainda que em seu íntimo, um macho alfa.
Até a hora em que aquela mulher que ele diz sua, aquela mulher submissa, na maioria das vezes acostumada ao longo de anos a apanhar e a ser insultada, aquela mulher que ele já havia traído mais de uma vez, aquela mulher levanta a cabeça e diz: NÃO QUERO MAIS.
A negação dela equivale a um movimento tectônico. Camadas ancestrais e profundas saem do lugar que parecia estabelecido, e tudo treme. A imagem de macho alfa daquele homem, longamente construída, se vê ameaçada de desconstrução. Com a partida da mulher, todos saberão que ele não é tão eficiente ao leito, que não possa ser deixado. Todos saberão que ele não é insubstituível. Todos saberão que ele é incapaz de domar a própria fêmea. E todos, exatamente todos saberão que ela não o quer. E se ela não o quer, ele deixa de ser o macho dominante do bando.
Ele a mata porque a negação dela ameaça matar aquilo que ele concebe como a sua virilidade.
Alguns se entregam, alguns poucos se suicidam, a maioria tenta fugir. Apesar da legislação cada vez mais severa, o depois é vivido pelo assassino como outro capítulo.
Então, é no antes destes homens que devemos pensar. Na sua formação violenta, nos ideais de supremacia machista que lhes foram incutidos, nos exemplos que tiveram dentro e fora da família. E evitar esta repetição. A todo custo, evita-la.