Marina Manda Lembranças E m Pompéia, quando se cava se encontra” disse um historiador. E tudo o que se encontra é fragmento útil para ...
Marina Manda Lembranças
Tenho com Pompéia uma relação afetiva/familiar. Na nossa casa, não se falava em Pompéia sem que houvesse algum comentário sobre o fato de meu avô, Arduino Colasanti – por quem meu irmão foi nomeado-, ter retomado e impulsionado as escavações quando Direttore Generale di Antichità e Belle Arti. Há de ser por causa dessa ligação que sua irmã caçula, Gabriella Besanzoni, me sorri até hoje ao lado do marido, o armador brasileiro Henrique Lage, em uma série de fotos tiradas em visita àquele sitio arqueológico.
Pois agora, um outro entusiasmado como meu avô, o professor Massimo Osanna, está no comando da equipe que cava, espana, sopra e martela. Já achou muita coisa. Uma capela dedicada aos deuses Lares, 40 afrescos dedicados a Narciso e ao Minotauro, outro afresco de Venus ladeada por um deus Eros com pequenas asas. E os afrescos não se limitam às figuras, compreendem a parede toda, com suas belas cores de ocre e terracota, com suas refinadas decorações.
Osanna achou também um edifício com três balcões enfeitados de ânforas; e três mosaicos retangulares, belíssimos, na casa dita de Júpiter; e a casa que ganhou o nome de “jardim encantado”, cheia de afrescos delicados. Cereja do bolo, foi revelado aos amantes de arte o afresco de “Leda e o Cisne”, considerado especialmente erótico, mesmo para uma cidade cheia de erotismo.
Não tão artístico, mas igualmente erótico, é o grafiti gravado numa parede: ”Lucius Cunnilingus”. Um insulto a Lucius, já que, mesmo em cidade tão dedicada às coisas do amor, o fato de um homem praticar cunnilingus era considerado vergonhoso, pois o tornava submisso às mulheres.
Tantos achados talvez dependam menos do entusiasmo do que da tecnologia moderníssima. Meu avô, que só dispunha de pás, formões e pincéis, teria adorado os drones, a cartografia a lazer, a thermografia infravermelha e as reconstituições em 3D que estão sendo utilizadas para agilizar as escavações.
Em 79 d.C os habitantes de Pompéia nem sabiam que o Vesúvio fosse um vulcão. Inativo durante séculos, era visto apenas como montanha. Mas ao entrar em erupção vomitou cinza e pedras sobre a cidade durante seis horas, soterrando-a debaixo de uma camada de 25 metros de detritos.
A justiça teme agora que o movimento mediático sobre os achados desperte o interesse da máfia e dos tombaroli, ladrões de túmulos e de ânforas, de pratos, de qualquer fragmento arqueológico que possa ser revendido no estrangeiro.
Escrevo sobre Pompéia para não falar de Brumadinho. Também na nossa tragédia os habitantes e funcionários foram pegos de surpresa e soterrados sem saber do risco que corriam. Ali também hienas humanas estão atacando para saquear o que estiver ao alcance da mão. Mas enquanto a modernidade tecnológica ajuda a desenterrar Pompéia, nada impediu que tragédia similar se repetisse.