Marina Manda Lembranças L i em alguma parte que uma nova espécie de maçã está sendo criada. Parece tão pouco, uma maçã, neste momento em...
Marina Manda Lembranças
A maçã não é uma fruta qualquer, tem espaço especial reservado no nosso imaginário e vem de longe. Dizem que a macieira é a mais antiga das árvores cultivadas. No ano de 328 a.C. Alexandre o Grande encontrou maçãs anãs cultivadas no Cazaquistão. Mas é muito mais saborosa a lenda segundo a qual Alexandre, ao procurar na India a Água da Vida – como personagem da novela das nove- encontrou maçãs que permitiam aos sacerdotes viver até 400 anos. Essa espécie, infelizmente, perdeu-se.
Todos os dias, no café da manhã, em vez de pão como uma maçã. Não estou tentando rejuvenescer nem combater o escorbuto e não acredito, como os celtas, que seja um fruto de magia e revelação - pelo menos até agora nada me foi revelado. Mas a maçã é fresca, limpa, bonita e, em silêncio, ecoa infinitos ecos.
Dois deles estão, de certo modo, interligados. Adão e Eva comendo a maçã e Branca de Neve aceitando a oferta da velha aparentemente benfazeja.
Na Bíblia não se fala em maçã, embora a arte esteja cheia de interpretações dessa cena, sempre com maçã explícita. Deus disse a Adão e Eva que não deveriam comer o fruto do bem e do mal. E agora se atribui a mudança a um erro do pobre São Jerônimo que levou 15 anos traduzindo a bíblia do hebreu para o latim. Não foi um erro de tradução, foi infiltração de um mito anterior, o Jardim das Espérides.
Diz o mito que ao casar com Zeus, Hera recebeu como presente de Gaia maçãs de ouro, que mandou plantar em seu jardim distante, incumbindo as Espérides de protegê-las. E que quando essas ninfas, símbolo da transição entre o dia e a noite, começaram a usar os frutos para si mesmas, Hera as destituiu, colocando como vigilante um dragão com corpo de serpente e cem cabeças.
Estão aí os elementos da infiltração: as maçãs preciosas; o dia e a noite simbolizando o bem e o mal; e o dragão com seu corpo de serpente.
Os mitos se interligam, viajam no tempo, e acabam gerando os contos. Branca de Neve tem a maçã, tem a bondade dela em oposição à maldade da madrasta – ela branca como a neve, a madrasta sempre trajada de escuro manto, como dia e noite das Espérides - e tem o duplo veneno da tentação e da serpente. Mas nas costuras do conto aparece outro mito, o do Pomo de Ouro.
O Pomo, conhecido como da Discordia, está para sempre ligado à beleza. No Olimpo, a deusa Éris, ressentida por não ter sido convidada a um casamento, oferece uma maçã de ouro a ser dada como prêmio à deusa mais bonita. Hera, Atena e Afrodite disputam o título. Mas Zeus, não querendo se meter nesse vespeiro, encarrega o jovem mortal Páris, de fazer a escolha. E ele escolhe Afrodite que, em troca do Pomo lhe promete o amor da mulher mais bonita do mundo. A mais bonita era Helena, esposa de Manelau, rei de Esparta. E o amor prometido por Afrodite resultou nos dez anos da guerra de Tróia.
No conto de Branca de Neve quem faz o papel de Páris é o espelho, dizendo à madrasta quem é a mais bela. E a maçã que deveria ser um prêmio se transforma em tragédia, como tragédia foi para Tróia.
Uma nova espécie de maçã está sendo criada pelos horticultores. Parece supérflua num mundo em que já existem 2,500 variantes. Mas uma maçã, mesmo não sendo de ouro, nunca é supérflua.