Marina Manda Lembranças M oro em Ipanema. Durante o carnaval acompanhei do alto do meu terraço dois tiroteios partindo da comunidade ao...
Marina Manda Lembranças
Mas, embora meu pensamento me empurre para os desabamentos da Muzema e as futuras demolições, quero falar das coisas meigas que o olhar retém para repousar dos precipícios administrativos.
Passei rumo ao supermercado, e ela já estava ali. Uma menina de uns 6 anos sentada no degrau do botequim da esquina. Havia arrumado uma espécie de prateleira apoiada em dois tocos de pau ou dois tijolos, não reparei. Era a sua banca de venda, sobre a qual havia arrumado pequenas coisas visivelmente tomadas ou pedidas à mãe: três rolos para cabelo, um potinho de porcelana, uma colherinha de café, um pires lascado, um anel meio enferrujado com gema de vidro, e outras coisas semelhantes. Poucas, porém. Com seu pequeno pé estava dando o primeiro passo na carreira de ambulante.
Fui ao supermercado, ao banco, ao vidraceiro resolver problemas domésticos. Passei por ela mais de duas horas depois. “E a venda?” perguntei,“Tá indo bem?” Ela me olhou desconsolada, deu um suspiro e, apoiando o queixo na mão, respondeu: “Não muito”. Talvez já estivesse pensando em mudar de profissão.
O passeador de cães vinha pela calçada levando seus sete pupilos, cada um de uma raça, quando um deles escapuliu da coleira e saiu correndo. O rapaz chamou-o, o pequenino parou olhando para ele, mas não voltou. Situação complicada porque o passeador não podia largar os outros seis, nem podia correr com eles para buscar o fujão. Por sorte, apareceu um ciclista com um menino, e se prontificou a ficar com o bando. Mas quem disse que o passeador conseguia livrar a mão do emaranhado de guias, que mais se emaranhavam porque os cachorros, excitados com a fuga do companheiro, trocavam de lugar? Agora também o ciclista, tendo ouvido o nome do bicho, chamava pelo cãozinho. Que parecia divertir-se enormemente com a situação. Dava uma corridinha, ameaçava atravessar a rua, parava olhando desaforado para o passeador e para os colegas encoleirados, retomava a fuga. O ciclista com o pé no chão, o menino sorrindo em evidente identificação com o cachorrinho, o passeador tentando imprimir à voz tom de comando, e eu parada acompanhando a cena. Eis que de repente, quando já o passeador libertava a mão, o cãozinho pareceu criar juízo e voltou trotando. Não de todo, porém. Quando o passeador saiu para apanhá-lo, fui tratar da minha vida.
Quatro borboletas amarelas esvoejavam ao redor das roxas flores de uma pequena quaresmeira. Era hora do almoço. Pensei que elas estavam no seu restaurante, que o néctar nos pistilos amarelos havia de estar suculento. Mas podia ser engano meu puramente romântico, pois não tenho nenhuma certeza de que quaresmeiras tenham néctar. O que sim, sei, é que antes havia tantas borboletas no Rio, que eu não pararia para admirar esse quarteto cor de sol.
Cheguei em casa e fui olhar o mar do alto do terraço. Porém o que vi foram pessoas subindo morro acima pela escada atrás da torre do elevador do Pavão Pavãozinho, porque o elevador está parado há cinco meses.