Marina Manda Lembranças A pesar da determinação de nossa ministra Damares em dar solidez ao oposto, a terra treme nas questões de gêner...
Marina Manda Lembranças
A capa da revista francesa que eu assino me trouxe um rosto absolutamente andrógino acima da chamada: ”Nem moça. Nem rapaz. A revolução do gênero”. E aprendo que 14% dos entrevistados de uma pesquisa, entre 18 e 44 anos, se dizem não-binários, ou fluídos, ou neutros, ou andróginos, ou bigêneros, ou pangêneros, ou poligêneros, ou intersexuais, ou definições ainda por criar. Acima de 44 anos, a proporção diminui para 8%.
Em Nova Iorque, desde janeiro, o estado civil reconhece o gênero “neutro”. É um passo adiante na aceitação da homossexualidade ou da transexualidade, ainda tão problemática.
Não sei como se definia Julian P. Boom, do Projeto 22. Vestia-se como homem, usava cabelo com corte masculino, mas em algumas fotos está levemente maquilado/a, e sua esposa Fleur Pierets se referia a ele/ela como “minha querida esposa”.
A internet as define como um casal de lésbicas, dupla de artistas performáticas que se assinava profissionalmente JF Pierets, e que concebeu o Projeto 22 como forma de promover o casamento homoafetivo legalizado. Casariam nos 22 países onde essa possibilidade já existia, dariam entrevistas, registrariam tudo em vídeos, em fotos e nas redes sociais, escreveriam um livro ao final.
Venderam tudo o que tinham, fizeram a mala e partiram. O projeto previa dois anos de duração, com duas semanas de estadia em cada país. Começaram por Nova Iorque. Na foto do segundo casamento, em Amsterdã, Fleur vestida de longo branco está sentada, e Julian de terno preto e camisa branca, mãos nos bolsos, está de pé atrás dela. Uma pose absolutamente tradicional para casamento nem tanto. Talvez o intuito fosse esse mesmo, mostrar como parte da tradição o até então inaceitável.
Houve mais dois casamentos, enquanto dois novos países legalizavam o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mas após o casamento em Paris Julian sentiu-se mal, e o diagnostico de câncer no cérebro previu pouquíssimos meses de vida. Julian morreu aos 40 anos. Faltavam ainda 18 casamentos para completar o projeto.
É uma bonita história de amor, pouco importa o gênero das/dos protagonistas ou como se definiam.
A transexualidade nem é fenômeno tão recente. Em 2015, quando Kim Kardashian se separou do marido Bruce Jenner, medalhista olímpico e pai de 6 filhos, a “Vanity Fair” publicou na capa o seu novo rosto, como Caitlyn. A mudança de sexo motivou a minissérie “I am Cait”, mostrando a adaptação à nova identidade.
Em 2010 nossa Laerte, desenhista maior, começou como crossdresser. Lembro de ter lido que ia com a namorada às lojas escolher suas roupas de mulher. Estava provando uma nova identidade sexual, como provava os vestidos e lingeries femininos. Fazem oito anos definiu-se transexual, e em 2012 fundou a ABRAT, Associação Brasileira de Transgêneros. Em recente entrevista com Bial declarou, “Sou pai, sou avô e sou mulher. Então sou flexível com essa história”.
A questão é justamente essa, flexibilidade. Não dos envolvidos no processo, que estes já a tem. E sim dos outros, daqueles que, defendidos e críticos olham com reprovação os novos costumes.
A terra está tremendo nas questões de gênero. Mas a casa não vai cair, Damares querida. A casa só cai, conforme acabamos de comprovar, quando mal construída.