Marina Manda Lembranças S emana passada, ao falar em Pontevedra, deixei de fora dois itens deliciosos que mais se aproximam da ficção:...
Marina Manda Lembranças
O papagaio é hoje uma estátua. De bronze, como cabe a estátuas de personagens de respeito. E bem maior que o original, já que o tamanho real ficaria insignificante numa praça. Mas já foi realidade.
Era o pet de um farmacêutico chamado Feijoo, embora fosse pet de toda a cidade que se divertia com suas frases politicamente incorretas e frequentemente desbocadas. Havia sido batizado Ravachol, nome de um anarquista francês justiçado em 1892 e, respeitando o nome, foi um papagaio anárquico enquanto viveu. Viveu 22 anos, o que é muito para um papagaio em cativeiro, mas acabou morrendo em 24 ou 25 de janeiro de 1913, às vésperas do carnaval. E porque era muito querido por todos, o farmacêutico começou a receber pêsames dos cidadãos. Entusiasmado por tanta tristeza, organizou um velório no Salão Recreativo dos Artesãos, seguido de enterro, e de uma celebração no Circo Teatro da qual participaram cantores, palhaços, artistas.
Teria ficado nisso, se em 1925 a cidade não recuperasse a memória de Ravachol. Sua efígie, caracterizada de acordo com o momento político ou cultural, passou a ser queimada comemorativamente na sexta-feira de carnaval. E sua estátua, agora um dos símbolos de Pontevedra, foi erguida ao lado da Praça da Peregrina, no mesmo lugar em que, do alto do seu poleiro, reinara na farmácia.
Agora, o pirata.
Estava eu passeando em Pontevedra, quando me disseram “ali é a casa do pirata”. Como um cão diante da caça, ergui as orelhas e com ar inocente perguntei “posso entrar?”. Não podia, a casa estava fechada. Mas não há porta que não ceda à curiosidade. Animada por tantas leituras infantis de histórias de piratas, fui investigar e descobri um detalhe que nos interessa diretamente.
Benito Soto Aboal, é considerado o último pirata do século XIX – no sentido estrito da palavra porque, como bem sabemos, piratas continuam atuando por toda parte - e dos mais sanguinários. Nasceu em Pontevedra em 1805, naquela mesma casa abastada em que não pude entrar, filho de uma família de marinheiros. A cidade, ainda banhada pelo mar, era centro importante de navegação, e o adolescente Benito Soto, engajou-se em um navio de bandeira brasileira que fazia tráfego de escravos,”O defensor de Pedro”, e fez-se ao largo.
Navegou, navegou, e aos 18 anos estava no Rio de Janeiro.
Talvez no Rio tenha começado a pensar na sua metamorfose. Tendo o navio voltado à África para buscar novo carregamento, Benito lidera um motim com o apoio de outros marinheiros, joga ao mar os tripulantes que não estavam de acordo, deixa o comandante nas costas da África , assume seu posto, pinta de preto o casco do navio e troca seu nome para “Burla Negra”. A atividade de bucaneiro tem início.
Sua técnica é simples: abordagem, esvaziamento da carga e de todo objeto de valor, assassinato de toda a tripulação, navio incendiado e posto a pique. Somará, ao fim de sua curta carreira, 10 navios e muitos cadáveres.
Com o Burla Negra atopetado de tesouros, Benito Soto resolve dar uma parada para aproveitá-los. Mas, pensando mais na bela vida que o espera do que na navegação, naufraga com o Burla Negra contra os arrecifes da costa espanhola. Consegue fugir, é pego em Gibraltar e enforcado em janeiro de 1830. O pirata mais sanguinário da Espanha tinha somente 24 anos e dez meses.