Marina Manda Lembranças D esemboquei em Copacabana e ainda era noite. Mas ao longe, por trás das montanhas, a alma do dia já se anunc...
Marina Manda Lembranças
Eu ia de taxi para o aeroporto. Sem estar ao volante, podia olhar embevecida o enfrentamento dessas duas forças da natureza, como se acreditasse nele. Sabia, no entanto, que o peso da nuvem era só aparência, a ser desfeita à medida que o sol impusesse sua presença.
A visão passageira que a cada instante se alterava era de beleza tão intensa que dava outro sentido à manhã e eu a levaria comigo, embora já sendo outra quando o taxi se afastasse da praia rumo ao túnel.
Sempre, quando vou ao aeroporto Santos Dumont, o taxista me pergunta se quero ir por dentro ou pela praia. Até parece que tal escolha existe para pessoas de bom senso! Nunca me passou pela cabeça escolher outro caminho que não o do mar. Nem a urgência me levaria a atravessar a rua interna e degradada, com calçadas atravancadas de ambulantes e passantes atacados por trombadinhas, rua que eu conheci elegante, a mais elegante do bairro onde todos queriam morar, com seus cinemas grandiosos, seus restaurantes anteriores à gastronomia onde comíamos “paillard com fettuccine” achando ótimo e tomávamos vinho Matheus Rosé achando idem, bairro com seus piano bars para namorar em fins de tarde e suas boates para dançar cha-cha-cha em fins de noite, bairro berço da música e dos inferninhos, onde alegria e diversão moravam quando a Barra ainda era um areal e os jacarés nadavam tranquilos em suas lagoas não poluídas.
Essa Copacabana acabou faz muito, destruída pelo avançar da cidade. Mas não levou consigo a da praia. Poderia ter sido danificada pela duplicação da avenida Atlântica. Os deuses –que à noite gostam de nadar naquele mar- não permitiram. Pelo contrário, mais bonita se tornou.
Não há erro, quando o taxista pergunta qual caminho prefiro, digo “praia” e me preparo para ser feliz.
Não sou eu que pedalo ou corro no calçadão, não sou eu que atravesso a rua carregando cadeira e barraca com a alça do biquíni aparecendo acima da canga, não sou eu que levo meu cão para passear nem sou o passeador de cães que vai com seis guias na mão, não sou eu o marombado que se exercita nas barras nem sou o casal de velhos que caminha lentamente. Dentro do taxi que me leva para mais uma viagem e mais um trabalho sou todos eles, porque a todos acaricio com olhar amoroso e o amor é uma forma de apropriação.
Tampouco sou o sol ou seu reflexo cambiante nas escamas do mar. Mas ao sol não acaricio com o olhar, nem dele me aproprio. O sentimento diante de tamanha majestade é reverência. Pequeníssimo ser humano, agradeço sua presença.
O mar também não sou eu. Mas temos grande intimidade do passado e sinto o frio na pele e a força das ondas, quando já o táxi chega à curva e para no sinal. Sacudo do cabelo imaginárias gotas de sal, e começo a pensar no trabalho.