Marina Manda Lembranças O ntem, a casa Christie’s vendeu um tesouro bem mais consistente que o da caverna de Ali Babá. Foram a leilão ...
Marina Manda Lembranças
Penso no pioneiro da fotografia e arqueólogo francês Louis Rousselet, autor de um documentário fotográfico sobre a Índia, que teve o privilégio de ser apresentado a algumas das joias do marajá de Baroda. ”Os serviçais deitaram a coleção cintilante sobre mesas e cadeiras. Certamente, era a coisa mais incrível que se pudesse imaginar: pedras preciosas, fios de diamantes, diademas, colares, pulseiras, tecidos entretecidos de pérolas. Mas a joia mais importante era um colar onde brilhavam a “Estrela do Sul” e outros diamantes de grandeza excepcional, creio que fosse o colar mais precioso do mundo”.
A Christie’s bateu o martelo para a gargantilha de diamantes e rubis feita por Cartier para o marajá de Patiala, dono de 350 concubinas e 20 Rolls-Royces. E para o broche em feitio de pavão, de diamantes e safiras que o marajá de Kapurtala deu de presente à esposa.
Não é muito, se pensarmos que durante pelo menos 2 mil anos a Índia foi jazida de brilhantes e pedras preciosas que só após a dinastia Mogol foram exportadas, e que para os hindus a tradição das joias está ligada à astrologia e à religião.
No livro “Joias dos Marajás”, escrito pela historiadora Katherine Prior e por John Adamson, as fotos são uma overdose de cintilações. Numa delas, Bhuipindar Singh, marajá de Patiala, - que mais adiante encomendaria a Cartier um colar de parada espetaculoso- está ataviado com um colar de pérolas enormes, de 15 voltas que, junto com as medalhas, lhe cobrem o peito até a altura dos mamilos. Em vez de corrente de relógio atravessando o estômago, usa longos fios de pérolas, sem relógio. E no turbante ostenta fios de brilhantes e de pérolas, além do sarpech mais deslumbrante que jamais vi.
Sarpech é a joia usada para enfeitar o turbante, como uma pluma. E da pluma tem o feitio. De uma base, sempre com pedras preciosas e com pingentes, parte a pluma preciosíssima terminando com mais gotas pendentes.
No museu das joias de Teerã vi alguns sarpech enriquecidos por minúsculas molas que permitiam à ponta da pluma mover-se como se tocada pelo vento, conferindo aos diamantes um duplo cintilar. Vi também esmeraldas bem maiores que um ovo, polidas, parecendo seixos de rio, e coloquei uma delas num conto, enriquecendo o imenso turbante de um filho de vizir, em que uma cegonha faz seu ninho. E vi espadas de empunhadura mais preciosa que joias, como a adaga leiloada ontem na Christie’s, de Shah Jahan, quinto imperador Mogol que mandou construir o Taj Mahal a fim de que a memória da sua mulher não fosse esquecida jamais.
No início do século vinte os marajás e suas esposas assombravam Paris com seus luxos e seus brilhos. A maharani de Gwalior tinha 62 automóveis estacionados em sua garagem. Ozman Ali Khan, nizam di Hydebarad , colecionava concubinas e pérolas. Das primeiras tinha 300, mas as pérolas eram tantas que um avaliador pediu dois anos para cataloga-las.
Não perdiam a pose nem quando perdiam seus tesouros. Ao se ver arruinada, a maharani de Oudh suicidou-se com um veneno misturado às suas pedras preciosas trituradas.
Ontem a Christie’s não leiloou somente joias. A golpes de martelo, um tempo passado se foi.