Marina Manda Lembranças A vida não tem “escada”. Penso nisso olhando a novela. Que confortável seria — ou que aborrecido — ter alguém s...
Marina Manda Lembranças
A vida real transcorre grandemente em silêncio, mesmo em tempos de WhatsApp. Os dilemas, as elocubrações, as avaliações, as mesmices do cotidiano só raramente vazam, como caixa d’ água demasiado cheia. Não há “escadas”. A mente funciona em modo contínuo, ninguém aguentaria se se expressasse em voz alta.
Nem há, na vida real, escalação de elenco. Para uma novela, os atores são escolhidos de acordo com a personagem a interpretar. E as personagens mantêm as mesmas características até o último capítulo. O vilão ou a vilã emendará vilanias uma atrás da outra, podendo acabar na cadeia, na tumba, ou no desespero. Terá olhares enviesados, escutará atrás de portas, falará sozinho e o fingimento será sua melhor arma. O vilão não esmorece nem descansa, não tem vida própria, a única razão da sua existência é atrapalhar a vida dos bonzinhos e impedir que realizem seu amor.
Que fácil seria a vida se seguisse o mesmo modelo! Bastaria individuar o vilão, como fazemos no começo de uma novela, empunhar o escudo e defender-se dos seus ataques. Mas o vilão da vida é a própria vida, imprevisível.
As circunstâncias mudam, as personagens trocam de relevância ou se entrelaçam, núcleos que pareciam sólidos se desfazem, situações saem de cena sem aviso prévio, não há sequer música de fundo. Tudo acompanha um enredo que parece trocar seguidas vezes de equipe de roteiristas.
Não há defesa possível, a previsão do tempo inexiste e as nuvens se adensam escondidas pelas montanhas. Nem há papéis determinados. Os vilões de uns são os bonzinhos de outros, os bonzinhos de hoje serão os vilões de amanhã.
Talvez por isso, as novelas de sucesso sejam as mais previsíveis. Meu querido amigo Walcyr Carrasco vem de boa escola e sabe disso. Para que não haja hesitações plantou logo os índices no início. Ou alguém duvida que Joseane, a filha má, tenha sido trocada na maternidade? Filha que complota contra a mãe ninguém suporta, apesar do sucesso de Maria de Fátima em “ Vale Tudo”. Por isso Walcyr avisou desde o começo, Jo é má como uma cobra, mas não é filha.
E como se descobrirá a troca? Ofereço meu palpite: Jo sofrerá grave acidente de carro ou moto, melhor de fugindo de uma perseguição, e necessitará de transfusão, Maria da Paz se oferece, mas ao fazer o exame de sangue, surpresa/revelação!, não é ela a mãe biológica.
Nomes também são índices. Maria da Paz foi batizada para ser tão doce e simples como seus bolos, para conquistar todos à primeira bocada. Ou alguém duvida que Gianecchini o vilão, cairá de amores por ela? Quanto ao assassino enviado pela avó, podemos ter duas soluções: ou ele recebe de Maria tantas delicadezas que acaba guardando a arma no coldre, ou atinge mortalmente Gianecchini que protege a amada com seu próprio corpo.
Previsibilidade em novelas é repousante. Já basta o esforço diário de interrogar o amanhã num país instável como o nosso.