Marina Manda Lembranças Fui à cozinha presenciar a feitura de um bolo de nozes que, depois de pronto, servi aos que lá estavam. A coz...
Marina Manda Lembranças
Fui à cozinha presenciar a feitura de um bolo de nozes que, depois de pronto, servi aos que lá estavam. A cozinha era estrutura montada dentro de uma espécie de ônibus, a Carreta Senac de Gastronomia estacionada nos jardins do Hotel Tauá como parte da programação da VIII Fliaraxá. Alguns escritores convidados haviam dito previamente qual o prato da sua preferência e ele era realizado diante de pequena assistência.
Coisa boa, nesses tempos ásperos, foi ver mais de 30 mil pessoas atraídas pela literatura e seus autores neste evento idealizado e coordenado pelo meu tão querido amigo Afonso Borges. Ao longo de cinco dias essa multidão circulou entre as mesas temáticas, os depoimentos, as longas filas de autógrafos, participou de debates ao ar livre, folheou livros e os comprou, encheu as salas e se apertou em espera paciente antes de cada atividade. A maioria era de jovens ou assim me pareceu, e todas as atividades eram gratuitas.
Luiz Ruffato, Ignacio de Loyola Brandão e Marina Colasanti |
O sotaque diferente ficou por conta de Agualusa e Valter Hugo Mãe, com suas bem trajadas vozes portuguesas. Pensei que diria a Agualusa como gosto dos caminhos por onde vai seu pensamento, mas não houve oportunidade. Em compensação, consegui conversar, ainda que brevemente com Valter, doce pessoa com quem estive nesta mesma feira no ano passado, e em outra, acho que de Fortaleza. Se os escritores de antigamente se encontravam em bar ao fim da tarde, para falar de literatura e vida alternando baforadas de cigarro e fundos goles de uísque, os do presente se encontram nos aeroportos a caminho das Feiras, arrastando suas malinhas e levando os computadores na mochila.
Tomei um café da manhã com Conceição Evaristo. Nos queremos bem desde outra viagem literária, certamente no século passado, que nos levou a Viena e Salzburg. Depois disso já nos encontramos inúmeras vezes, a última na Feira de Caxias do Sul.
Não se pode pensar em literatura sem fazer link com a política e o social. Para isso, lá estavam as inteligências de Miriam Leitão, Sergio Abranches e Heloisa Starling. E o público ávido para ouvi-los, nesse momento em que precisamos tanto de respostas e de esclarecimentos.
Do mesmo modo, não se pode pensar em literatura sem que as outras artes aflorem. E para representa-las estavam Thiago Lacerda e Carla Camurati. Thiago leu magistralmente um texto longo de Valter Hugo Mãe, participou de mesas, tirou infindáveis fotos com fãs, e porque havia trazido os filhos comoveu a todos com sua ternura de pai. Flagrei Carla na lojinha que vendia bordados, atraída, assim como eu, por tanta feminina delicadeza, mais tarde assisti à sua mesa com Tatyana Rubim, amiga pessoal e coordenadora geral de produção da Fli. E mais tarde ainda fomos ao ar livre pensar em mulheres e feminismo diante de uma câmera.
Literatura foi o eixo da Fliaraxá, mas houve um momento, enquanto Miriam Leitão falava, em que pensei que estávamos todos ali juntos como os animais na Arca de Noé, diferentes espécies de artistas e de pessoas, vencendo o dilúvio que pretende acabar conosco, resistindo, na certeza de que há sempre o dia em que uma pomba branca chega anunciando tempos melhores.