Marina Manda Lembranças Q ue ideia apropriada, neste momento, e que comovente, fazer uma exposição sobre as árvores, como a que está em ...
Marina Manda Lembranças
O título já é um achado, Nous Les Arbres fala em primeira pessoa, dá voz àquelas que sempre consideramos em função dos nossos interesses. “No trato com animais, plantas e outros organismos, deve-se levar em conta a dignidade da criatura”, assim está escrito na constituição da Suíça, e assim deveria ser em cada país.
Uma grande exposição como esta não se organiza de um dia para o outro. Ao contrário dos que alardeiam que tudo é artimanha da imprensa e pressão comunista, sabemos que a Fundação Cartier não esperou as primeiras queimadas na Amazônia para por em marcha suas curadorias. Mas, apesar da antecedência, acertou o alvo. Os incêndios e o desmatamento deram à exposição efeito de passeata.
O Brasil está duplamente presente. Os índios yanomami desenharam as árvores, as frutas e as plantas das quais se alimentam e com as quais se curam. Luiz Zerbini misturou flores, plantas, rochas e arbustos formando uma instalação rodeada por telas gigantes, em que pintou uma vegetação exuberante e invasiva apoderando-se de elementos arquiteturais (uma constante na obra de Zerbini), treliças e encanamentos.
A Fundação Cartier sempre teve um olhar pousado sobre o mundo vegetal. No seu jardim há árvores de diversos países e duas delas receberam censores para registrar umidade, temperatura, oxigênio, e projetar os dados em grandes telas. É o pulso das árvores sendo tomado e visualizado o tempo todo, uma espécie de insta vegetal.
Na exposição da Fundação Cartier os yanomami não são os únicos índios presentes. Os do Paraguai representaram a fauna das suas florestas, tão ameaçada quanto a nossa.
A curadoria não se limitou a índios e artistas plásticos. Fez um mix de trabalhos plurais. A presença do biólogo vegetal Stefano Marcuso, brilhante aquarelista, me leva a pensar em Margareth Mee, que cheguei a conhecer com seus lacinhos de veludo no cabelo e sua vontade férrea de registrar, com desenho botânico minucioso, plantas e flores da Amazônia brasileira. Ela teria adorado fazer parte desta exposição.
E há também dois arquitetos, Cesare Leonardi e Franca Stagi, que desenham árvores, em detalhes, ao longo das estações. Certamente terão lido “A Vida Secreta das Árvores”, em que Peter Wohlleben diz que o desfolhar de uma árvore depende da sua personalidade. O momento de perder as folhas implica um dilema: sem saber se o inverno será especialmente frio, deve aproveitar os últimos dias quentes, ou se prevenir contra possíveis geadas? Há, como entre os humanos, as mais sensatas e as mais atrevidas, as que se arriscam e as que se garantem, as que deixam cair logo as folhas e as que as conservam por mais uns dias.
Todo ano, à chegada do inverno, o caseiro me liga para avisar que em minha casa de montanha começou a floração das cerejeiras. Nem todas florescem ao mesmo tempo. Agora, pensando que pode ser o modo de cada uma manifestar sua personalidade, as admirarei duplamente.
Há países que abatem ou queimam suas florestas. E há outros, como a Etiópia, perto de onde nasci, que as plantam.
A exposição da Fundação Cartier vai até o dia 10 de novembro. Não sei se há trilha sonora com canto de pássaro e correr de riacho. Mas se você for até lá, verifique para mim.