Marina Manda Lembranças I mpossível debruçar-se sobre flores quando genocídios acontecem. E há vários em curso. Nossos olhos estarreci...
Marina Manda Lembranças
Enquanto o capitão motosserra, tangido pela repercussão internacional e consequente perda econômica, faz cara de bonzinho e diz que devemos combater as queimadas, o governo corta no orçamento de 2020 do Ministério do Meio Ambiente 34% daqueles recursos destinados à prevenção e combate de incêndios, que já haviam sofrido encolhimento em 2019. O Brasil vai arder ainda mais no ano que vem.
Paralelamente, prepara-se uma funda escuridão a ser lançada sobre conceito de gênero. Não só Bolsonaro quer proibir a abordagem da temática no ensino fundamental, como o governador de SP, João Dória – mas não era aquele flagrado em programa coletivo de bordel? - mandou recolher o livro didático destinado ao 8º ano, cuja foto havia sido publicada no Insta de Damares – aquela que viu Jesus subindo na goiabeira e não se perguntou com que fim Ele se aventurava em árvore tão precária.
Durante parte dos anos em que fui editora de comportamento de uma grande revista feminina, mantive uma coluna em que debatia o problema/sofrimento enviado por carta pelos leitores. Recebi muitas cartas de adolescentes homossexuais dilacerados pela divisão entre seu desejo e a pressão do entorno. Vivi com eles a dolorosa dificuldade do “coming out”. E aprendi para sempre que se homossexualidade fosse uma escolha, uma “opção” como tantos gostam de dizer, ninguém a faria.
Britney, a trans da novela das nove, acaba de ser demitida do emprego por se recusar a vestir roupas masculinas. Sabemos que Walcyr Carrasco, gay assumido e maravilhoso dará o troco. Mas a vida real não é como as novelas, em que os bons tudo vencem e os maus acabam castigados. A vida real está cheia de maus bem-sucedidos, e ser homossexual no Brasil pode tornar-se motivo para assassinato.
Os livros escolares que elucidavam essa questão representaram um avanço importante na aceitação da diversidade. De nada adiantam tantos livros infantis e juvenis sobre bullying - o mercado está cheio deles - , de nada adiantam aulas, conselhos e pregações, se não se olha de frente a diversidade em busca da empatia que, só ela, leva à aceitação.
Agora vamos para o retrocesso. Eliminar os livros escolares não dirá aos jovens estudantes que homossexualidade não existe. Nem lhes dirá que é pecado, ou que é antissocial, como querem os que lutam contra as questões de gênero. Ao contrário, lhes transmitirá uma lição perigosa que nunca deveriam receber. Saberão – porque crianças aprendem com a convivência mais do que com os livros- que há coisas importantes das quais não se fala, embora comandem a vida de tantas pessoas. Apreenderão que o certo a fazer é varrer para debaixo do tapete aquilo que não queremos ver. E que devemos eliminar tudo o que contraria nossas opiniões.
Como diz Dráuzio Varella, “sexualidade é”. Não se inventa. E se o fato do seu vizinho dormir com outro homem ou da sua vizinha estar apaixonada pela colega de escritório faz diferença na sua vida,”procura um psiquiatra. Você não está legal”.