Marina Manda Lembranças A palavra aflorou no meio de uma conversa qualquer e grudou em mim como uma rêmora: nostalgia. Nostalgia pare...
Marina Manda Lembranças
Nostalgia parece mais antiga que saudade. E tem outro sentido, saudade sendo mais colorida, mais leve, pertencente à família dos afetos.
Nostalgia chega sempre com leve vento e neblina. É um sofrimento de ausência, uma falta, palavra grega cujo significado é algo como "saudade de um lar que não mais existe, ou nunca existiu". Pergunto-me se esse lar pode ser nosso próprio corpo, um corpo em constante modificação, lançado para a frente, ao qual não podemos regressar. Um corpo na estrada, rumo à morte. E tantos têm nostalgia da juventude!
Seja como for, a falta não pode ser preenchida, o que faz da nostalgia um sofrimento.
"A nostalgia é o desejo de algo que não sabemos o que seja" escreveu Saint-Exupery. Mas muitas vezes sabemos ou acreditamos saber, escolhendo um lugar específico para estacionar nossa difusa nostalgia. É o caso dos emigrados, que sentem nostalgia da sua terra e, com muita frequência, se reúnem para evoca-la.
Penso em mim mesma, duas vezes emigrada. Tantas e tantas vezes sonhei que voltava para casa. Mas a casa era simbólica, arquiteturas grandiosas e antigas, cheias de colunas, frontões e estátuas, semelhantes a nenhum lugar onde eu tivesse estado. Vermelhas, porém, daquele tom de telha lavada que se vê na Toscana e se via na Roma da minha infância. Não tenho nostalgia da terra ou das tradições, nunca frequentei clima de colônia, e a pasta que se come em minha casa é melhor ao meu paladar do que a de qualquer restaurante dito "italiano". Nem tenho nostalgia da infância, que passei em meio à Segunda Guerra. Minha nostalgia é de uma certa pátina que a antiguidade deita sobre as coisas, amalgamando-as em harmonia. Minha nostalgia é dos semitons suaves, da evidente passagem das estações.
No século 17, quando a nostalgia foi descoberta ou nomeada pela medicina, era considerada uma doença. Causava náusea, perda de apetite, febre e, nos casos mais graves, inflamações do cérebro e ataques cardíacos. Tratava-se com emulsões hipnóticas e ópio.
Mais adiante, parte dos sintomas foi transferida para outro nome, a depressão. E o ópio saiu de cena, embora continuasse atuante nas coxias – tão atuante que uma grande indústria farmacêutica americana terá que pagar inimagináveis três bilhões de dólares por problemas causados pelo vício em opioides.
Nostalgia partilha fronteira com melancolia. O "spleen", tão em moda entre poetas e artistas do romantismo. "Durante toda a sua vida, terá nostalgia da poesia", escreveu Chateaubriand.
Em Frankfurt para uma Feira do Livro, vi uma exposição grandiosa com o título "Melancolia". Quanto vento, quanta neblina nas gravuras e quadros! Quantos rochedos a pique sobre o mar! Para mim, a palavra melancolia está para sempre ligada às urzes que florescem nas charnecas de todos os livros das irmãs Bronte. Nunca estive frente a frente com urzes, mas sei que se curvam ao vento, acolhem a noite, e guardam em seu miolo uma gota onde o mundo se reflete, a doce gota da melancolia.
Não sou uma nostálgica consciente, nunca desejei recuperar a trabalhosa juventude, nunca quis voltar sobre meus próprios passos. Mas é certo que levo uma nostalgia na alma, escondida como a gota no miolo das urzes, porque, se assim não fosse, a palavra não teria aderido em mim com tanta persistência, me obrigando a escrevê-la.