Marina Manda Lembranças S emana que vem vão a leilão obras de arte que pertenceram a Tônia Carrero. Leio esta notícia com uma mescla ...
Marina Manda Lembranças
Tinha um belo acervo Tônia. Não sem razão. Seu primeiro casamento, com Carlos Arthur Thiré, desenhista, pintor, cenógrafo e figurinista, a projetou desde cedo no universo das artes. E sua excepcional beleza a fez musa.
Tantos pintaram seu retrato. Mas quando a modelo é bonita demais, o artista corre sério risco, o de ocupar-se mais da reprodução da beleza do que da pintura. Entre tantos retratos pendurados nas paredes da casa de Tônia, não vi nenhum que me comovesse como ela me comoveu na primeira vez que a vi.
Foi em 1955. Tônia, ainda do TBC, apresentava no Teatro Ginástico “Uma Certa Cabana” dirigida por Adolfo Celi, que viria a ser seu segundo marido. Eu tinha 17 anos, e os pais da namorada do meu irmão, amigos de Tônia, conseguiram com ela entradas para irmos assistir à peça. Jovens bem-educados, fomos agradecer no camarim, depois dos aplausos finais. Tônia nos recebeu sentada diante do espelho, duplamente iluminada pelas lâmpadas e pelo sucesso, ainda com a maquilagem de palco, estupenda! De algum modo, percebi que continuava no papel, e surpreendeu-me sua boca sorridente e sedutora, rosada como boca de gato.
Fui ver algumas das suas peças quando fundou a nova companhia, fruto do recém casamento e da velha amizade com o parceiro de tantos sucessos, a Tônia-Celi-Autran. Mas agora, sem entrada grátis e sem necessidade de agradecimentos no camarim.
Adiante, fiz um curso de teatro com Celi, no Tablado. E uma das aulas, por um impedimento qualquer, teve que ser na casa deles, já casados. Uma casa pequena, em Ipanema, com duas colunas graciosas junto à entrada. Foram felizes ali. Ela continuava belíssima quando se separaram, ele apaixonado por outra, mais jovem. Fui ao casamento dele, porque conhecia a noiva.
Muitos anos se passaram antes que eu voltasse a estar com Tônia. Ela havia gravado um CD, para Luz da Cidade, com poemas de Affonso, e ficamos amigos. A casa agora era outra, grande, bonita, sem colunas meigas mas com grandes portas de vidro dando para o jardim e a piscina. Nessa casa, ela parecia mais majestosa.
Gostava de receber e sabia fazê-lo. Fui a muitos jantares simpáticos naquela casa de paredes cheias de quadros. Entre tantos trabalhos de pintores importantes, os quadros de que eu mais gostava eram os do meu amigo Glauco Rodrigues, e a peça mais imponente era, para mim, uma escultura de Ceschiatti que nos recebia junto à entrada. Mas havia muito com que se encantar.
Lembro que os netos mais jovens começavam a fazer teatro, e ela emprestava seu grande salão de ginástica, com espelhos e barra, para eles ensaiarem. Formada em Educação Física, só deixou de fazer exercícios diários quando acometida de hidrocefalia oculta, que lhe tirava o equilíbrio. Determinada, continuou a querer o palco, mas na última peça teve que atravessá-lo de braço dado com outro ator.
Fui vê-la em 1967 quando, enfrentando os militares e afirmando seu talento, fez a prostituta Neuza Suely de “A Navalha na Carne”. Recentemente voltei a ver a mesma peça, desta vez protagonizada por sua neta Luisa Thiré em homenagem à avó, a bela e inesquecível Maria Antonieta Portocarrero.