Marina Manda Lembranças C om frequência, quando faço palestras ou mesas em eventos literários, chegando a hora da participação do públ...
Marina Manda Lembranças
Mais certo seria dizer: “os jovens não leem tanto quanto a gente gostaria”. Ainda assim não seria totalmente verdade. Pois “a gente” não pode se limitar àquela gente específica que está ali assistindo a um evento de literatura, frequentemente porque trabalha com isso – professores, estudantes de letras, aspirantes à escrita- ou por pura paixão leitora. “A gente” deveria significar “a gente brasileira”.
E “a gente brasileira”, democraticamente representada pelos políticos que elegeu, pouco se interessa por leitura.
Os jovens brasileiros estão lendo, sim. Apesar das dificuldades econômicas, da ausência ou fechamento ou parco acervo das bibliotecas, da falta de herança de uma tradição leitora, os jovens estão lendo. A Bienal está sempre cheia de jovens, as feiras de livros estão cheias de jovens, há sempre muitos jovens nos eventos literários de que participo.
Não só leem, como escrevem. É comum, nesses eventos, algum jovem se levantar e pedir conselhos/instruções sobre a escrita. Muitos frequentam a poesia, alguns se dizem poetas.
No domingo passado fui à Biblioteca Leonel Brizola, em Caxias, convidada para falar de minicontos na 9º edição da LiteroCaxias. A LiteroCaxias foi criada por cinco amigos, cinco jovens amantes dos livros, com a proposta de suprir a falta de livrarias no município e a inexistência de eventos literários. Foram cinco apresentações ao longo do dia, e a Biblioteca estava cheia, apesar de ser um domingo. Havia uma exposição de arte, autores vendiam seus livros, ganhei revistas em quadrinhos do desenhista autor. Saí de lá encantada com aquela juventude.
Na sexta-feira anterior havia ido à Biblioteca Estação Leitura, na estação Central do Metrô, bem nas fundas entranhas do centro. Uma moça muito jovem e mito leitora veio me buscar, outros jovens que trabalham na Biblioteca me atenderam na chegada, havia jovens na plateia. Fui informada pela organização do evento que grande parte dos que pedem livros emprestados – a Biblioteca Estação Leitura é de empréstimos e promove eventos literários mensais gratuitos – é constituída por jovens.
Enquanto eu ia sendo entrevistada por Claufe Rodrigues a respeito de um dos meus livros, as multidões saídas dos vagões eram ejetadas pelas escadas rolantes. Não muitos, mas alguns paravam para ouvir, por poucos minutos ou mais, plateia renovada a cada chegada de trem. E havia jovens entre eles.
Sim, os jovens estão lendo quando lhes damos possibilidades de que isto aconteça. Sugiro trocarmos a ficha. Há um tom de censura ou de lamúria na velha “os jovens de hoje não leem”, como se fosse culpa deles ou do celular. Mas todos sabemos que a culpa, se de culpa se trata, tem outro endereço.
Carol, a jovem que veio me buscar para descer comigo na biblioteca do metrô, tem uma mãe professora e uma avó que desde cedo a alimentou com livros. Ambas estavam no evento e me contaram isso com orgulho. Nem todos os pais têm formação para iniciar os filhos na leitura, nem todos os pais podem dar livros aos filhos. Mas todos os governos podem e devem criar condições para que a leitura se torne um patrimônio não só dos jovens, como do país.