Marina Manda Lembranças P repare-se para despedidas. Na próxima estação, você vai dizer adeus a todos os seus jeans skinny e, provave...
Marina Manda Lembranças
A mudança foi decidida em junho, no desfile masculino da Celine. E a partir do momento em que o primeiro manequim surgiu na passarela vestindo jeans desbotados dos anos 80, os mesmos com que Serge Gainsburg fazia sucesso ao lado de Jane Birkin, não houve mais volta. O efeito cascata começou.
Com os jeans retos cobrindo o pé, de cintura alta, voltam as roupas oversized, os blazers com dupla abotoadura, e as ombreiras que havíamos jurado nunca mais usar. As sandálias de plataforma, responsáveis por tantos tornozelos torcidos, já voltaram.
A guerra me deu um ensinamento: roupa só se joga fora quando está velha ou manchada, não porque saiu da moda. Acabei de repescar uma jaqueta de lã marron café, comprada em loja masculina há cerca de 30 anos em uma viagem ao Sul, creio que em Santa Maria, grandíssima, elegantérrima, deliciosamente quente. Depois de tanto tempo voltou a ser chique.
Moda é como a roda gigante de Londres. Anda muito lentamente mas, em algum momento, o que já esteve no topo, ao topo volta.
Tenho um baú. Nele guardo as roupas de qualidade quando estão em baixa. E guardo também as roupas sentimentais. Há um sentimento ligado ao que se veste, uma impregnação transmitida desde o momento da escolha, passando pelas ocasiões em que foi usada. Roupas são como álbuns de fotografias de antigamente. Revê-las ou tocá-las despertam lembranças em tsunami.
Guardo no baú um vestido preto de alta costura, da grife italiana Gattinoni, presente da minha tia-avó Gabriella Besanzoni Lage, no tempo em que fui brevemente manequim. Mais tarde, fui com ele ao casamento do meu amigo Armando Strozemberg com Ilana, hoje meus compadres. Faz anos, jaz adormecido no fundo do baú, mas basta pegá-lo para estar outra vez em Roma com Gabriella, novamente na festa nupcial elegante no MAM. Provável que já não me caiba, nunca mais o vesti. Não o guardei para usá-lo. Guardei um sentimento de tecido.
Não sei se, comprando por internet, sem ver de corpo presente, sem apalpar o tecido, sem ter noção precisa da cor – cores mudam de acordo com a luz- o sentimento se concretiza. A modernidade transformou a escolha da roupa em outra coisa. Não é mais uma segunda pele, a buscar em consonância com a nossa própria. Assim como tudo, a roupa tornou-se descartável. Minha avó, senhora elegante, dizia que roupa vale pela qualidade. Hoje teria dificuldade em encontrar o que comprar.
A roupa deixou de ser um crachá que dizia aos outros o que a gente era – e isso é bom, porque ninguém tem que ser humilhado pelo que veste. Tornou-se uma fake news, dizendo aos outros o que não somos, dizendo que somos in, mesmo que nosso pensamento seja out, dizendo que somos antenados, mesmo quando somos surdos, dizendo que estamos na moda, quando moda é tão mais do que apenas seguir ditames – e isto é ruim, como é ruim tudo o que constitui disfarce.
Amanhã, o jeans skinny já parecerá cômico e será recebido pelas latas de lixo. Eu, que nunca o tive, não precisarei guarda-lo no baú. Mas estejam certos de que, algum dia, ele voltará.