Marina Manda Lembranças F ui a uma festa de Natal antecipada, em Petrópolis. Uma festa grandiosa, não por comidas e bebidas mas pelo ...
Marina Manda Lembranças
Um corte, e passamos para outra imagem.
Ao lado da saída do meu prédio há uma igreja luterana, e o pastor deve ter dado ordem para que algum funcionário se ocupe dos dois canteiros da calçada, frente à igreja. Estão sempre muito cuidados, por mãos espertas. Por trás de barreiras de mirto bem aparadas, crescem íris. E os íris, neste final de primavera, estão em floração.
Não sou botânica e não irei ao Google, para que meu olhar, ignorante porém amoroso, descreva o que vejo. Íris são flores preciosas, reunidas em mais de 200 espécies. As de que falo parecem quase emparentadas com orquídeas, pois das orquídeas têm a delicadeza. São brancas, levemente arroxeadas no nascedouro. Tento desenhá-las para quem me lê. São três pétalas externas e maiores, que desconfio sejam sépalas pois não constituem exatamente a corola. Outras três, minimamente menores, surgem por dentro delas mas em oposição, completando o espaço. As seis têm rajas cor de ferrugem ao centro, lembrando rubi, como um inseto, uma borboleta ou uma fera exótica. E no meio de tanta delicada preciosidade, despontam uma ou mais pequeníssimas flores, que só olhando bem de perto se percebem.
Os íris têm uma peculiaridade. Sua vida é breve, brevíssima, não creio que dure muito mais de um dia. Pelo menos, quando passo diante dos dois canteiros, já não encontro as flores que no dia anterior me encantaram.
Eu paro e admiro, sabendo que o olhar pousado sobre um mínimo momento de beleza espalha quietude no resto do dia.
Minha rua tem trânsito pedestre considerável, já que ali perto há uma estação de metrô. Mas as pessoas passam batidas. No tempo em que fiquei parada junto ao canteiro, ninguém parou, ninguém sequer virou a cabeça atraído pelos canteiros em flor. Alguns olhavam o celular, a maioria, nem isso.
Ou esquecemos o quanto o olhar pode nos dar. Ou transferimos o poder do olhar para outros campos, vitrinas, telinhas, mensagens e imagens de celular. Ou passamos a só olhar sob comando, aquilo que nos foi dito valer a pena ver. O fato é que um canteiro cuidado e em flor, um milagre da natureza ainda que repetido a cada estação, uma beleza delicada e perecível não parecem merecer atenção.
Fiz essa digressão só para voltar à festa de Petrópolis. Não houve quem não olhasse o acender da árvore, os reflexos no lago, e não se encantasse com as imagens projetadas sobre a enorme fachada do Quitandinha. Havíamos sido convidados para olhar. E era um evento especial, uma comemoração de encerramento. Mas a vida nos convida a olhar o tempo todo. Sendo, ela mesma, o evento mais especial que nos é oferecido, evento que infalivelmente acabará com um encerramento.
Desejo a todos um Natal de afeto. E que, no ano próximo, nossos olhares se pousem naquilo que, de fato, conta.