Marina Manda Lembranças M ais uma vez o jornalão de que sou assinante, ao noticiar os prêmios do Jabuti, omitiu os vencedores em lit...
Marina Manda Lembranças
E no entanto, como nos diz Yolanda Reyes, educadora e escritora colombiana bem conhecida no universo da leitura: “Nossas crianças e jovens estão imersos em uma cultura de pressa e tumulto que os iguala a todos e que os impede de refugiarem-se, em algum momento do dia ou, inclusive, de sua vida, no profundo de si mesmos. Daí que a experiência do texto literário e o encontro com esses livros reveladores que não se leem com os olhos ou a razão, mas com o coração e o desejo, sejam hoje mais necessários do que nunca como alternativas para que essas casas interiores sejam construídas. Em meio à avalanche de mensagens e estímulos externos, a experiência literária brinda o leitor com as coordenadas para que ele possa nomear-se e ler-se nesses mundos simbólicos que outros seres humanos construíram”.
Ou, como escreveu a teórica espanhola Teresa Colomer: ”Uma das funções da literatura infantil e juvenil é a de abrir a porta ao imaginário humano configurado pela literatura. O termo ímaginário’ foi utilizado pelos estudos antropológicos literários para descrever o imenso repertório de imagens, símbolos e mitos que nós humanos utilizamos como fórmulas típicas de entender o mundo e as relações com as demais pessoas”.
Mas em 2010, quando foi lançado no Brasil “Crítica , teoria e literatura infantil” livro escrito por Peter Hunt em 1991, a Folha de são Paulo fez uma pequena, mínima, entrevista com o autor. Guardei o recorte. À pergunta “Há complexo de inferioridade na literatura para crianças?” o professor emérito na Universidade de Cardiff responde: “Sim, mas somente porque muitos adultos pensam que ela deve ser simples porque é para crianças. Livros infantis têm sido excluídos da história literária. Isto está mudando, em parte porque os livros para crianças são agora financeiramente muito importantes para os editores”.
A pergunta era equivocada. A pergunta certa teria sido:” A Literatura adulta considera a literatura para crianças inferior?” ou “A literatura para crianças tem sido esmagada pela literatura como um todo, que a considera inferior?”.
Havia uma outra pergunta:” A legitimação crítica da literatura infantil está consolidada?”. Respondo eu em lugar do entrevistado - que sabiamente respondeu “Não”.
A legitimação da literatura infantil se dá somente nas universidades e nos organismos vinculados à leitura e à educação. Os que trabalhamos com ela sabemos da sua importância primeira, sabemos que sem ela não haveria suporte para a literatura dita adulta. É tão mais difícil fazer um adulto leitor do que encantar uma criança através dos livros!
Como os adultos saberiam navegar na linguagem simbólica se não a tivessem recebido na infância? Como saberiam lidar com o imaginário, que não é o mesmo que sonho, nem é o mesmo que fantasia, mas é a ligação possível, o possível diálogo com o núcleo profundo do ser?
A literatura para crianças e jovens não está em qualquer livro destinado pelo mercado a esse público, exatamente como não está em qualquer livro publicado para adultos. Literatura é um produto igualmente específico para uma idade e para a outra. É a arte da palavra.
E se os jurados cuidam disso ao atribuir o Prêmio Jabuti, a imprensa deveria lembrar-se ao noticiá-lo.
Ilustração Marcelo Tolentino